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Um biscoito sem glúten e o resultado parcial da rapa dos livros

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Agora que minha coleção de livros de culinária foi cortada quase que pela metade (e ao longo do tempo quero diminuí-la ainda mais), acho que os volumes que ficaram merecem um post. Não foi fácil decidir com quais ficar e de quais me desfazer. Primeiro, pensei em tentar cozinhar daqueles que me causavam dúvida para ajudar na decisão e documentar tudo aqui, o que daria vida nova ao blog. Mas isso demoraria tempo demais, e os livros continuariam entulhando minha casa. Além disso, foi justamente folheando e procurando o que cozinhar que percebi que não queria preparar nada deles.

Então, para também não ter de passar um mês inteiro folheando e anotando mais de 250 livros, criei um sistema:

- primeiro, tirei todos os meus livros das estantes, limpei as mesmas e separei todos os livros por autores.
- então estabeleci quais eram meus autores favoritos e vi se havia algum livro deles que já não me interessava tanto. Foi interessante perceber o amor com que escolhi e guardei meus favoritos. Desses ainda separei um ou dois volumes que, apesar de autores de que gosto, não eram muito usados. E, sem dó, esses foram para o UT.
- voltei os livros dos autores favoritos para as estantes e vislumbrei o fato de que apenas esses já eram livros de cozinha para uma vida inteira. Isso me deu uma sensação de alívio que me ajudou a desapegar do restante.
- E esse restante comecei a folhear, tentando ser sincera comigo mesma, lembrando o que preparara de cada livro, se repetiria o preparo, se tivera algum percalço, se aquele tipo de comida ainda tinha a ver comigo. E, principalmente, se os livros que já tinham sido repostos na estante continham receitas suficientemente semelhantes. Bem, 99% das vezes a resposta foi "sim, eu posso viver 'só' com os cento e poucos livros que ficaram".

E para o UT foram indo muitos e muitos livros, e, logo logo irão tantos mais.

Agora fica a questão que deve (será?) estar na cabeça de quem lê esse negócio: quais ficaram?

Ficaram os livros que eu uso todo dia, aqueles que me inspiram positivamente, aqueles que me trazem boas lembranças. Não ficou nenhum que me faça sentir inadequada, despreparada, que me deixe triste por não ter XYZ ingredientes, que me deixe triste por não ter XYZ oportunidades. Ficaram meus livros de ilha deserta e alguns outros aos quais estou dando a chance de se tornarem meus livros de ilha deserta.

A primeira pilha de livros que separei com inegável certeza foi a de Marcella Hazan. Se eu só preciso de uma autora de cozinha italiana é ela e não me dá nem vontade de tentar qualquer clássico que não venha dela. Ela fazia as coisas do jeito que eu gosto: ingredientes bons e frescos, preparados direito e de forma simples, e sem a menor pressa (olá, ragù bolognese que ficou 5 horas cozinhando!) Andei comprando um outro livro seu há pouco tempo, e confesso que este anda na berlinda, pois não me apaixonou como os dois outros, que foram dos primeiros livros de cozinha que comprei na vida: Marcella Cucina (ou La Cucina, como deixaram a versão em português) e Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica, que é um dos livros que pretendo deixar pros meus filhos – ou comprar cópias de presente – quando saírem de casa, junto com uma máquina de macarrão pra cada um, que foi o que minha mãe me deu no dia em que deixei o ninho. ^_^

A segunda pilha de livros que voltou pra estante com um estrondo retumbante foi a de Tessa Kiros. Meu deus, como uso seus livros! Ainda não tenho plena certeza do volume de cozinha grega, que é o que menos abro. Mas O Apples For Jam, Falling Cloudberries, Venezia,Recipes & Dreams for An Italian Life e o Twelve (seu livro sobre a Toscana) irão comigo para onde quer que eu vá pelo resto da vida. Tudo é delicioso, acessível e fácil sem fazer uso de absolutamente nenhum produto mais industrializado que um pedaço de queijo. E ainda que eu tenha dito que Marcella é a única autora italiana de que preciso, os livros italianos da Tessa Kiros têm uma autenticidade aconchegante que me mantém cativa. Os pratos que cozinhei deles me levaram imediatamente a momentos meus na Itália, há dez anos atrás, comendo pici al pepperoncino numa osteria em Siena. Sua lasanha de tomate tem o gosto da lasanha que minha avó preparava quando eu era criança. Se um dia eu me mudar pra fora do país, deixo minhas roupas aqui para abrir espaço para esses livros. Isso é amor.

Logo em seguida, com uma vitória menos emocional, veio Bill Granger, que me foi apresentado e presenteado há muitos anos pela Patrícia Scarpin, do Technicolor Kitchen e cujos livros usei à exaustão durante a minha primeira gravidez e durante os primeiros dois anos do Matador de Dragões. As receitas são tão dia-a-dia, frescas, fáceis, sem ingredientes mais difíceis que um filé de peixe e um pouco de espinafre, que é quase impossível manter os livros muito tempo na estante. Acho que o primeiro dele que ganhei foi o Feed Me Now, cuja sessão de comida para congelar eu fiz inteirinha no último mês da primeira gravidez, e que me apresentou a um dos meus pratos favoritos: ovos fritos com croûtons e radicchio. Depois vieram os Bill's Open Kitchen, Bill's Food, Simply Bill, Bill's Sidney Food e Easy. Eventualmente você se dá conta de que ele não foge muito das panquecas, dos fritos de legumes ralados, da proteína com salada, do risotto de alguma coisa. Mas gosto muito do modo sutil como ele incorpora sabores asiáticos e mediterrâneos na comida de todo o dia. Tudo fica bom. E o que fica bom eu continuo repetindo e repetindo, como o risotto de forno cheio de legumes, os fritos de cenoura, o bolo de banana. O livro que menos uso é o de comida asiática, que anda na berlinda. Mas agora que as crianças andam mais abertas a sabores, cores e formas diferentes na comida (além de ter voltado a comer carne), quero tentar cozinhar mais dele antes de me decidir.

Depois, também voltaram para a estante os livros de Nigel Slater: Tender I, Tender II (publicado como Ripe nos EUA), Eat, Kitchen Diaries, Notes From the Larder. Esses são do tipo inspirador, pelas fotos e pelos textos. Eventualmente encontro algo para cozinhar exatamente como na receita, mas quase sempre uma folheada me dá uma simples idéia do que fazer. Vejo-me usando mais o livro nas fases em que minha despensa anda mais européia e com mais proteína animal. Quando tive tempo de preparar pães brancos de casca grossa ou bons pães de centeio, quando há presunto cru e algum queijo mais elaborado. Quando tenho vontade de gosto de picles. Dias frios parecem colaborar mais para que eu escolha receitas suas, pois seus cozidos e seus gratinados são sempre sucesso absoluto. Para os pratos mais simples parece que sempre falta algum ingrediente, pois minha despensa básica, meus leftovers, nunca são muito parecidos com os dele. Mas seus textos me aquecem o coração de alguma forma, lembram-me de acima de tudo não complicar as coisas na cozinha mais do que o necessário. Acho que nada do que eu possa falar sobre Nigel Slater vai ser tão preciso quanto este artigo da revista New Yorker: http://www.newyorker.com/books/page-turner/dark-side-of-the-spoon-the-moods-and-recipes-of-nigel-slater

Então, quase que pelo mesmo motivo, ficaram os livros do David Tanis: A Platter of Figs, The Heart of the Artichoke e One Good Dish (seu livro mais simples e o que mais uso). Há receitas bem pouco acessíveis, como risotto de lagosta e rémoulade de orelha de porco nos primeiros dois, mas eu jamais poderia mandar embora o livro que me ensinou a cozinhar um ovo com a gema perfeitamente macia e laranja. Ou que me lembrou do prazer de comer um pedaço de queijo de uma fruta madura de sobremesa. Ou que me apresentou à ideia de fazer queijo quente no ferro de waffles, para ter o pão todinho cheio de buraquinhos tostadinhos de manteiga.

Os da Deborah Madison e da Alice Waters vieram de carona com David Tanis, por conta do feeling "cozinha californiana" de que eu gosto e que mais tem a ver com o modo como gosto de comer: muitos legumes e frutas da estação, tudo colorido, tudo fresco. Os da Deborah, vegetarianos, em primeiro lugar: The Greens Cookbook (trabalhoso mas de resultados excelentes), Vegetarian Cooking for Everyone (um dos melhores livros vegetarianos que existe, e que foi reeditado esse ano), Vegetable Literacy (excelente, com receitas bem originais, mas que ainda não explorei o bastante), Local Flavors, e Seasonal Fruit Desserts (que me deixava meio na dúvida, mas agora que ando comendo mais frutas do que doces, ando redescobrindo - e um livro que tenha me ensinado a comer caquis com uma pitada de sal, avelãs picadas e um splash de Frangelico merece um lugar na minha estante). De modo geral, já usei mais os livros dela, que andam meio encostados. Mas adoro as influências mexicanas e asiáticas nos pratos, a variedade de verduras e legumes, os resultados leves e deliciosos. E todos esses livros têm mais de meia dúzia de receitas às quais retorno com frequência.

O mesmo acontece com os da Alice: Chez Panisse Vegetables e Chez Panisse Fruit. Os livros são lindos, com gravuras coloridas das frutas e verduras que eu realmente amo. Às vezes acho que eles estão parados há muito tempo, mas então me lembro dos pratos que já preparei deles, e de como eram absolutamente bons, e me refreio: não consigo mandar embora. Eles ficam com uma promessa minha de voltar a usá-los mais. Comecei apanhando o Chez Panisse Fruits para usar um abacaxi maduro, que virou um bolo invertido de abacaxi e gengibre, que fez meu filho me perguntar por que diabos eu estava virando o bolo de cabeça para baixo. Mais de duas semanas depois do bolo acabar, ele veio me pedir para fazer de novo o bolo-de-ponta-cabeça. That's a keeper.

Ficaram também meus dois favoritos da Heidi Swanson, Super Natural Everyday e Super Natural Cooking, cujas receitas acho que já fiz quase todas, e cuja grande maioria virou papinha para meus filhos quando nenês. Foram os livros que me empurraram para o uso de grãos integrais no dia-a-dia.

Por incrível que pareça, olhei um bocado de tempo para os livros de Jamie Oliver e Nigella. Não sabia muito bem o que fazer com eles. Percebi que eles estavam lá mais por apego emocional, aquele saudosismo da época em que eu via os programas do Jamie no canal People & Arts e ficava anotando as receitas no meu caderno, rapidamente, tentando não me confundir com o fato de o responsável pela legenda apenas ter trocado ounces por gramas, mantendo o número o mesmo. Lembro da época em que via encantada a primeira temporada da Nigella, ela linda e relaxada na cozinha, preparando tudo aquilo que eu queria comer. Em oposição a seus atuais programas, tão ensaiados, de sensualidade forçada, ela tentando me convencer de que não faz mal nenhum comer um caramel croissant pudding tamanho família sozinha de madrugada, enquanto eu consigo ver na silhueta dela de que isso não é bem verdade. E aquele frescor e autenticidade dos primeiros livros parece ter sido substituída por uma praticidade não muito saudável, e os pratos dela parecem todos mais cheios de creme, mais cheios de açúcar, mais pesados no prato e na mente do que costumavam ser. Eu tinha muito mais amor pelo soba que ela fazia na primeira temporada (que virou meu prato-salvação durante todos esses anos e que meus filhos amam de paixão) do que pelos cheesecakes de manteiga de amendoim que ela prepara hoje em dia. Fiquei com os livros mais antigos de que gosto, Feast (que por algum motivo me deixa feliz de folhear) e o clássico How to be a Domestic Goddess (que eu usei à exaustão e tem tanta mancha de comida que eu jamais poderia vendê-lo), mas confesso que olho o Nigella Kitchen com indecisão. Ok, os brownies são fantásticos e alguns pratos salgados são muito bons – mas confesso que sempre que ela manda usar algo comprado pronto, eu acabo fazendo a versão mais longa e mais natural. A frittata de mortadella é gostosa? É. Mas tãaaaaaao pesada em relação ao que eu realmente prefiro comer no dia-a-dia, que justo esse livro dela, que se propõe a ser um livro de todo dia, eu acabo usando esporadicamente, pois não suporto o peso no estômago após as refeições. Além disso, eu brinco que há tantas receitas com frango no livro (que eu raramente faço), que deveria chamar Nigella Chicken.

Jamie, por outro lado, parece que ficou datado para mim. Era daquela época. Acabo preparando seus pratos sem de fato precisar de receitas. Vendi quase todos. Fiquei com o que mais gosto, Jamie's Italy. Um dos meus favoritos, e de longe seu melhor livro, Jamie at Home, dei de presente para minha irmã, que sempre o cobiçou. Assim, quando quiser alguma receita, basta pedir emprestado. Ainda que, novamente, acabe fazendo tudo sem a  receita, de memória e no improviso. Acho que vou manter o The Naked Chef por mero apego emocional.

Outro que ficou, isoladinho, mas com sucesso, foi Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin. Sem sombra de dúvida um dos melhores livros de cozinha que já tive, com resultados impressionantemente gostosos. Livro trabalhoso, do tipo que faz você cozinhar todos os ingredientes separados para juntar tudo no final. Mas o que acontece é que você consegue sentir o sabor e a textura de cada um individualmente e a composição do conjunto na boca fica muito mais complexa e deliciosa. Não cozinho nada dele há anos, desde antes de ter filhos. Mas sei que o tempo de voltar a cozinhar dele virá novamente, e não há nada ali que eu não queira preparar de novo.

Meu deus, esse post está ficando comprido.

Você ainda está comigo?

O que a saudades não faz, não?

;)

Mas está acabando. O que sobrou, dos desgarrados, separei em estilos. Os franceses. Os livros da Rachel Khoo (Little Paris Kitchen e My Little French Kitchen, que eu apenas comecei a explorar? Ficam. Um livro que começa com uma salada de fígado de frango tem que ter meu amor.  I Know How to Cook? Fica pela simplicidade elegante e impecável de tudo o que produz. Country Cooking of France, fica, por conta da melhor sopa de peixe que já comi na vida. My Paris Kitchen, do David Leibovitz parecia uma compra equivocada quando folheei a primeira vez; mas assim que comecei a cozinhar dele revelou-se um achado. Tudo absolutamente bom. E os textos, como sempre, fantásticos. O mesmo para The Sweet Life in Paris, que estou lendo agora pela terceira vez. Por conta dos sucessos de David Leibovitz, o The Perfect Scoopé hoje meu único livro de sorvetes. E tudo o que fiz do seu Ready for Dessert ficou ótimo.

Os italianos. Culinária Itália, gigantesco, coffee table book? Fica, nem que seja apenas para olhar as fotos, que eu amo. Tuscan Cookbook, da Stephanie Alexander e Maggie Beer  (e cuja versão tenho em português de Portugal) fica com louvor, pelas fotos, pelas receitas impecáveis, inclusive a pappa al pomodoro que eu mais gosto no mundo. (Andei vendo povo de televisão fazendo uma pappa al pomodoro que mais parece um reboco: pappa al pomodoro é uma sopa, não um purê de pão.) My Calabria fica nem que seja só pelo extrato de tomate. A16 Food + Wine? Best pizza ever. Giada's Kitchen. Por incrível que pareça, esse livro é muito bom.

Forgotten Skills of Cooking de Darinna Allen? Fica, fica, fica. O melhor iogurte do mundo. Sem mais.

The New Portuguese Table é muito familiar. Quase comida brasileira. Cozinhei pouco dele ainda.

Culinaria Germany? Pela referência. Também pela referência fica o Professional Chef.

Os de panificação foram fáceis: ficam todos. Mesmo. Todos. Bertinet, Paul Hollywood, Jim Lahey, Professional Baking, The Italian Baker... Todos.

The conservas, fiquei com o Blue Chair Jam Cookbook pelas fotos de referência para pinturas. Confesso. Ele está junto com meus livros de arte, e não com os de cozinha. Para cozinhar, fiquei com o Tart & Sweet, Jams & Chutneys (que tenho em português, da Publifolha) e ainda estou explorando o The Art of Fermentation. Tem um repolho orgânico esperando pra virar sauerkraut.

Os de confeitaria foram mais difíceis. Precisei parar e ver o que reeeeeaaaaalmeeeeente eu pretendia preparar. Não aquela Ana que eu vislumbrava fazendo o bolo de casamento de vinte e cinco camadas da minha filha, mas a nonna que eu estou fadada a me tornar. Eu não sou uma pessoa que faz tuilles. Eu sou uma pessoa que faz cookies. E brutti ma buoni. E biscotti. E pound cake. E coffee-cakes. E quick breads. E assim me dei conta de que poderia viver o resto da vida apenas com os livros da Alice Medrich e os da Dorie Greenspan, que já cobrem todas as bases de sobremesas e quitutes doces que gosto de preparar e comer. Todos os meus favoritos são de uma ou de outra. Da Alice, ficaram o Pure Desserts, um dos melhores livros de confeitaria que tenho e um dos que mais uso, Chewy Gooey Crispy Crunchy, um livro só de biscoitos e que é sempre o primeiro que abro quando quero biscoitos, Sinfully Easy Delicious Desserts, que é sem sombra de dúvida o livro de sobremesas que mais usei até hoje, e de onde saíram todos os bolos de aniversário nos últimos quatro anos (ninguém bate um layer cake de chocolate que se faz com uma colher de pau ou um de baunilha que se faz no processador, em três minutos), e Bittersweet, porque se preciso ter um livro só sobre chocolate, que seja esse. Melhor bolo mármore do mundo vem desse livro. O que adaptei para se tornar meu pudding básico, veio dele. Melhor sorbet de chocolate. Brownies à exaustão.

Já Dorie vai para sempre ter um lugar no meu coração. Eu preparei todos – TO-DOS – os coffe cakes e quick breads e barrinhas e brownies do seu livro Baking From My Home to Yours. Nunca fiz nada que não tenha ficado ótimo. A única coisa que não acertei ainda são as madeleines, mas confesso que não acertei madeleines de ninguém ainda, não só as dela. Recentemente fiz sua torta de limão, que promete ser a melhor torta de limão do mundo, e é. Simplesmente é. Eu pretendia fotografar e colocar a receita aqui, mas não deu tempo. Comeram tudo. Aqui não tem a receita da massa, mas tem do recheio: http://www.seriouseats.com/recipes/2008/04/lemon-lemon-lemon-cream-recipe.html Quando ela lançou Baking Chez Moi, comprei correndo. Outra maravilha. O bolo de cenoura e tangerina é delicioso. A empolgação foi tanta, que comprei seu livro de receitas salgada, Around My French Table. O "cake" de queijo e ervas foi para o piquenique da escola do meu filho e a rilettes de sardinha (uma pastinha de sardinha para comer de aperitivo) foi repetida à exaustão até o dia em que eu peguei uma virose no mesmo dia em que comera a pasta, e ainda não consegui desassociar a receita da sensação de passar mal de madrugada. Uma pena. Espero que não aconteça com essa rilettes a mesma coisa que me aconteceu com tequila, que hoje eu não gosto nem de sentir o cheiro.

Mas tantos outros livros ainda me cercavam e minhas estantes já estavam cheias. Magnolia? Ficaram os dois: Magnolia Bakery Cookbook e More From Magnolia. Os quick breads são muito bons. O de maçã e pecans foi pro piquenique da escola da minha filha. De carona ficou um do Macrina Café, que ainda tenho que explorar um pouco mais antes de decidir. Assim como o livro da Ghirardelli, que eu trouxe de viagem e é bom. Menção Honrosa para Baking for All Occasions, excelente, Sky High (porque eu ainda vou voltar a preparar os bolos dele), e Baking Handbook da tia Martha, de onde vem meu panettone oficial ultimamente. Bon Appétit Dessertsé um que é muito bom mas que eu não uso tanto quanto deveria. Estou na dúvida ainda, pois é muito grande para manter encostado. Os livros da Baked me dividiram. O segundo uso muito, e é deles meu spekulatius, o primeiro, nem tanto, não sei por quê. Mas ficaram os dois por enquanto. Dolci, um livro só de sobremesas italianas, ainda está na berlinda: houve o que funcionasse lindamente, houve o que nem tanto e eu precisaria retestar. O The Sweet Life é um livro lindo para o qual estou dando a última chance. Se não preparar nada dele nos próximos meses, ele vai embora. Acho que nunca usei. E é LIN-DO.

Ficaram os da Heloísa Bacellar, Cozinhando com Amigos 1 e 2. O Cozinha de Origem, que eu ainda quero explorar, também.

Dos naturebas, ficaram o Vegetarian Everyday e o Green Kitchen Travels, ambos do blog Green Kitchen Stories. São simplesmente excelentes. SuperGrains, da Chrissy Freer, tenho usado horrores. Whole Grains for a New Generation, idem. Aliás, gosto tanto desse, que quando perdi o meu (sim, ele nunca mais apareceu), comprei outro. E, hours concours, Good to The Grain, perfeito, perfeito.

A Change of Appetite, da Diane Henry, fica no meio do caminho entre um natureba e um David Tanis. Amo. Tenho usado muito. Good Thins to Eat, do Lucas Hollweg, fica entre o David Tanis e o Nigel Slater. Amo também. Uso muito.

Dois que me surpreenderam e ficaram com certo louvor, foram os livros sem glúten, ambos vindos de blogs, Small Plates & Sweet Treats, e La Tartine Gourmande. Quase tudo que preparei deles ficou ótimo e eu simplesmente adoro o uso de farinhas diversas. O último sucesso retumbante foi o biscoito de quinua e chocolate branco com cranberries. Eu esperava uma textura esfarelenta num biscoito sem glúten, mas esse ficou crocante e doce, com pequenas explosões de sal e azedinho, e o gosto da quinua apenas como uma nota complexa no fundo... Maravilhoso. As crianças amaram. Eu fiquei triste quando Thomas pegou o último, que eu estava guardando para mim, mãe egoísta que eu sou. ;)

Não teve jeito. Ficaram comigo "apenas" os livros que têm a ver comigo hoje e com o que gosto de cozinhar e de comer. Segundo o Eat Your Books, tenho 106 livros, ao invés dos 256 que tinha antes. Mas isso é mentira. Pois há os brasileiros e uns e outros não indexados. Da última vez que contei, tinham 152. Mas ainda há uma caixa aqui do meu lado de livros para serem vendidos. Uns 15 de culinária, uns dicionários e gramáticas de japonês (porque eu não vou voltar a estudar japonês tão cedo) e livros diversos que não vou ler mais. Minha estante continua entulhada. A rapa continua.

Enquanto isso, biscoitos.

PS: Pra quem continuou apreciando o blog durante essa ausência, uma explicação: tá difícil. Trabalho, crianças, vida em geral, anda me deixando longe do computador. Duas horas que passo escrevendo um post são duas horas que não estou trabalhando enquanto as crianças estão na escola. Quero tentar ao máximo voltar a postar com regularidade. Enquanto isso, o facebook vai dando pitadinhas aqui e ali de receitas rápidas. Sei que é chato ou impossível procurar as coisas no facebook, mas para mim não tem sido viável postar aqui todo dia. Vamos ver. Vou tentar conciliar as coisas. Enquanto isso, obrigada pelo carinho. :)

BISCOITO DE AVEIA, QUINUA, CHOCOLATE BRANCO E CRANBERRIES
(Do ótimo livro La Tartine Gourmande)
Faz cerca de 18 biscoitos, mas eu consegui uns 25. 

Ingredientes:

  • 60g farinha de quinoa
  • 30g farinha de painço
  • 45g farinha de arroz integral
  • 50g aveia laminada ou flocos de quinua (usei meio a meio, pois era o que tinha)
  • 1/2 colh (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh (chá) flor de sal
  • 115g manteiga sem sal em temperatura ambiente
  • 110g açúcar mascavo
  • 1 ovo
  • 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 100g de amêndoas ou nozes picadas grosseiramente (usei nozes)
  • 125g chocolate branco picado grosseiramente
  • 60g cranberries secas


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 190ºC. Forre duas assadeiras com papel manteiga ou silpat. 
  2. Numa tigela, combine as farinhas, aveia (ou flocos de quinua), bicarbonato, flor de sal.
  3. Na tigela da batedeira, bata a manteiga com o açúcar até que fique claro e cremoso.
  4. Junte o ovo e bata até ficar bem incorporado. Junte a baunilha e a mistura de farinha e bata em velocidade baixa (ou misture com uma espátula) até não ver mais farinha na mistura.
  5. Incorpore as amêndoas ou nozes, o chocolate e os cranberries.
  6. Coloque colheradas (colher de sopa) cheias de massa nas assadeiras, deixando uns 5cm de espaço entre os biscoitos para que espalhem. Amasse um pouco as bolas de massa, para que não fiquem altos demais (os meus espalharam bem pouco, tive de abrir a porta do forno e esmagar um pouco a primeira fornada com as costas de uma colher).
  7. Asse uma assadeira por vez por 14-15 minutos, ou até  que estejam ligeiramente dourados.
  8. Remova do forno e, com uma espátula, transfira os biscoitos imediatamente para uma grade. Frios e em pote fechado, mantêm-se bem por 1 semana. 

  











Quesadillas de espinafre solitárias porque educar criança não é só ensinar a comer escarola

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Uma das coisas que eu mais ouço de quem está aprendendo a cozinhar é sobre o desânimo de se cozinhar apenas para si. Durante anos tentei convencer essas pessoas sobre as vantagens de fazê-lo, mas ao mesmo tempo pensava como era de fato bom cozinhar para os outros. Por muito tempo fantasiei com o dia em que tivesse filhos e pudesse preparar coisas gostosas para eles, e imaginei como seria bom ter companhia para o almoço.

Até que...

Tive filhos.

É gostoso preparar um bolo para eles, ou ouvi-los correndo para a cozinha gritando "Oba! Hora de comer!" Mas não vou mentir para ninguém. Não é um momento fofo e relaxante como em minhas fantasias. É uma boa hora e meia de muito...

"senta direito",
"não coma com as mãos",
"não limpe a boca na camiseta",
"pare de enrolar e coma logo que já esfriou tudo",
"não é pra tirar a salsinha",
"não fale com a boca cheia",
"você gosta sim de couve-flor",
"pare de bater o garfo na mesa",
"isso é uma batata, não um dinossauro",
"tira o pé da mesa." (Esse é especial pra Madame Bochechas, que cisma de tirar o sapato e começa a querer me mostrar a sola do pé, que ela machucou mês passado ao pisar descalça numa pinha.)

Quando você percebe, engoliu seu prato sem nem sentir o gosto, para poder cortar as vagens, enrolar o spaghetti, enxugar o copo d'água derramado por um cotovelo desastrado, mandar todo mundo usar a droga do guardanapo e mandar sua filha de castigo por ter se recusado a tirar pé sujo de cima da porcaria da mesa. E enquanto todo mundo come / derruba a sobremesa, você lava a louça, de costas para as crianças, suspirando fundo e pensando que enquanto não vir a bagunça acontecendo atrás de você, é como se ela não existisse.

Acontece. Nem tudo são flores com crianças de 2 e 4 anos. Principalmente quando a de 2 anos está justamente naquela fase enlouquecedora de dizer não pra tudo e o mais velho, que até então era uma coisa fofa e comportada, resolve achar que também tem certas liberdades, e começa a me dar uma prévia do que será ter um adolescente respondão em casa.

Pronto. Para quem achava que o fato de seus filhos comerem escarola fosse garantia de paz, sossego, amor e felicidade o dia todo, acabei de estourar a bolha da doce ilusão. Há almoços sossegados em que eles querem experimentar tudo, em que damos risada e acho que tenho os filhos mais fofos do mundo, e há jantares arranca-rabo, quando as crianças estão cansadas (e a mãe também) e ninguém colabora. Como em toda a família. Mas como você nunca, NUNCA, sabe quando vai acontecer um ou outro, a tensão na base da nuca toda vez que você termina de cozinhar a refeição e chama a pimpolhada pra comer é inegável. Há sempre aquela esperança tímida de ter um almoço-propaganda-de-margarina, mas algo no fundo do seu estômago sempre traz você de volta à realidade com a quase certeza de que sim, você vai passar quase toda a próxima hora tentando ensinar bons modos à mesa para crianças que parecem sempre esperar que um dia eu sirva bolo de chocolate de jantar enquanto eles pulam nas cadeiras e fingem que os pratos são naves espaciais.

Então, há aquele dia em que eu tenho tanto trabalho para entregar, que deixo as crianças na minha mãe, para poder sentar na prancheta por doze horas ininterruptas e não perder meu prazo. E nesses momentos, algo estranho acontece: redescubro o prazer de cozinhar apenas para mim. Mesmo que seja às pressas, para comer ao lado do teclado do computador.

Poder escolher o que você quer comer sem a tensão da expectativa é libertador. Depois de quatro anos apenas cozinhando para o apetite dos outros, de vez em quando é bom poder olhar para as beterrabas na geladeira e decidir que VOCÊ QUER jantar salada de beterrabas com agrião e vinaigrette de laranja, sem precisar pensar se as crianças vão morrer de fome caso decidam que não estão afim de beterraba e que o agrião está muito fibroso, muito picante ou simplesmente muito verde aquele dia.

Quando terminei meu trabalho, naquela noite, eram quase oito. Olhei para a geladeira e decidi que queria uma quesadilla de espinafre. Pensei em comprar pão pita para acelerar as coisas, mas a preguiça de ir ao mercado foi maior do que a de fazer minhas próprias tortillas.

Misturei a farinha à àgua, óleo e sal, sovei, cobri e deixei que descansasse por meia hora. Cozinhar sem horário era bom também. Cozinhar quando EU tenho fome.

Enquanto a massa descansava, refoguei o espinafre em alho e cebola. Desliguei o fogo e fui passear o cachorro. A noite estava silenciosa, como fora todo o meu dia. Sempre gostei de silêncio. Saí de São Paulo para ter silêncio. Hoje aprecio o silêncio de quando as crianças estão na escola. À tarde, silêncio quer dizer duas coisas: ou estão cochilando, ou estão aprontando alguma coisa. Respiro fundo, o ruído aveludado do ar passando por minhas narinas é alto e reconfortante. Está escuro lá fora, e só há meu cachorro e eu na rua. Solto-o da coleira um pouco para que corra no terreno baldio ao lado de casa, pisando na grama fofa e espantando os quero-queros, que saem em assustada revoada, quebrando o silêncio com seus cacá-cacá.

Volto, aqueço a grelha até que cheire a ferro queimado, e começo a abrir uma por uma as tortillas, tão finas que podia ver meus dedos através delas, e as deito na grelha esturricante, vendo-as inflarem em bolhas e criarem círculos carbonizados aqui e e ali. Guardo-as num guardanapo de linho.


Monto minha quesadilla com um pouco de queijo e espinafre e tosto na frigideira quente, derretendo o queijo. Quando coloco a quesadilla na tábua, sorrio ao cortá-la em cunhas com minha grande faca de chef, satisfeita com o som da massa crocante se partindo, com a sensação dela afundando sob o queijo derretido. Fatio um pouco de abacate para acompanhar, uma colherada de iogurte bem gordo e firme, e muito tabasco.

O jantar era exatamente o que eu queria. Sento-me à mesa e aprecio cada mordida, montando meu garfo com calma com um pedaço de cada elemento do prato. Decido que preciso fazer quesadillas para as crianças, mas me pergunto se elas vão topar o espinafre. Meneio a cabeça, dispersando os pensamentos, e volto a me ater ao prato de comida fumegante à minha frente.

O prazer de se cozinhar para si. Há de se aprender a tê-lo.

Tentei encontrar receitas de tortilla de farinha de trigo aqui no blog, mas não encontrei. Se estou repetindo receita, peço desculpas. Mas vale a repetição, de qualquer forma. Tortillas assim são mais fáceis de fazer do que se comprar, e se conservam maravilhosamente por alguns dias embaladas em guardanapos ou panos de prato. Elas ficarão rígidas, mas voltarão a amaciar e ficar maleáveis tão logo toquem uma frigideira quente.

Como eu disse, essas quesadillas valem repetição, e enquanto havia tortillas na cozinha, eu continuei preparando e comendo. Aaaah, repetição. Como mandar seus filhos tirarem os cotovelos da mesa. Alguém uma vez me disse que eu iria repetir isso até os dezoito anos deles ou até o comportamento entrar no automático. O que vier primeiro.

QUESADILLAS DE ESPINAFRE
(Tortillas do livro Vegetarian Cooking for Everyone, de Deborah Madison)
Rendimenro: 4 quesadillas

Ingredientes:
(Tortillas)

  • 2 xic. de farinha de trigo branca ou integral (se integral, a mais fininha que encontrar) - e mais para polvilhar a bancada
  • 1 1/2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 colh. (chá) sal
  • 2 colh. (chá) óleo vegetal (ou azeite)
  • 3/4 xic. de água

(Recheio)

  • azeite
  • folhas de um maço de espinafre, picadas grosseiramente
  • 2 dentes de alho, fatiados
  • 1 cebola pequena, picada
  • sal e pimenta-do-reino

queijo amarelo que derreta fácil (Prato, Gruyère, Cheddar, o que preferir)
(acompanhamentos)

  • abacate maduro em fatias
  • iogurte ou sour cream
  • tabasco


Preparo:

  1. Misture a farinha, o sal e o fermento numa tigela e junte o óleo, esfregando com os dedos até perceber que a farinha mudou de textura e criou gruminhos como uma farofa. Será uma farofa mais sutil do que quando se faz massa de torta. 
  2. Junte a água, misture bem com um garfo até formar uma massa, e então sove um pouco dentro da tigela, e depois na bancada, sem acrescentar mais farinha, vigorosamente, até a massa parecer uniforme e macia. Não coloque mais farinha na massa do que o necessário. Depois de sovar por um minuto ou dois, a massa ganhará liga e grudará menos. E é essa umidade que permitirá que você abra a tortilla bem fina. Ela pode continuar grudando um pouco, mas você precisa ser capaz de formar uma bola uniforme. Só acrescente mais farinha se o dia estiver MUITO úmido e você não conseguir manipular a massa de modo nenhum. 
  3. Forme uma bola, cubra com a tigela e deixe descansando por meia hora para relaxar o glúten, ou a massa resistirá quando você tentar abri-la. 
  4. Divida a massa em 8 bolinhas iguais. Na bancada enfarinhada, abra cada uma com o rolo, puxando do centro para as extremidades, ajudando com a mão para manter o outro lado da tortilla parada na bancada. Você quer 8 discos (não tem problema se ficarem irregulares em formato) de cerca de 20cm, tão finos que pareçam que vão rasgar. 
  5. Aqueça uma grelha de ferro ou uma frigideira SEM ÓLEO até quase começar a soltar fumaça, e coloque cuidadosamente uma tortilla sobre ela, estirada. Cozinhe por 40-60 segundos de cada lado, ou até que comece a criar pontos pretos do lado em contato com a panela. Retire e mantenha embrulhada em um guardanapo ou pano de prato.
  6. Em uma panela média, aqueça o azeite em fogo baixo e junte a cebola, o alho picado e uma pitada de sal. Cozinhe devagar, até que a cebola amacie e comece a dourar, e então junte o espinafre e mais uma pitada de sal, misturando bem e trazendo as folhas debaixo para cima, para que todas cozinhem por igual. Quando as folhas estiverem bem murchas mas ainda não muito secas, desligue o fogo e acerte o tempero. 
  7. Numa frigideira seca e bem quente, coloque uma das tortillas. Espalhe um pouco de queijo por cima (se o queijo for fatiado fino, pense cerca de 6 fatias por tortilla; se for ralado grosso, pense um punhado generoso).
  8. Espalhe 1/4 do espinafre sobre o queijo, cubra com outra tortilla e pressione para manter tudo no lugar. Conforme o queijo for derretendo, vá pressionando, para garantir que as tortillas ficarão grudadas.
  9. Depois de cerca de 1 minuto, vire a quesadilla com cuidado e cozinhe por mais 30-40 segundos, até que esteja tudo quente e derretido, mas sem queimar as tortillas. Remova para uma tábua e corte em cunhas com uma faca afiada. 
  10. Sirva quente, acompanhado de abacate, iogurte ou sour cream e muito tabasco. 


As maravilhas do grão de bico e do abacate e um pãozinho chato e simples

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FOTO HORROROSA, tirada com sono, do celular, no dia seguinte, com o que sobrou. :P
Certa vez, quando o Matador de Dragões ainda era um bebezinho aprendendo a comer, um casal de amigos veio nos visitar, assim meio de supetão. "Temos um jantar depois, então só vamos dar uma passadinha pra dizer oi", disseram eles. Quando eles chegaram, conversamos, conversamos, abrimos uma cerveja, conversamos mais, o tempo foi passando, bateu uma fominha, e não havia nenhum petisco preparado, já que eu esperava que a visita durasse não mais de meia hora e eles pretendiam justamente sair para comer. O marido comedor de porcarias logo abriu um salgadinho reservado para os momentos de video-game, e naquele momento eu não me importei, porque eles teriam um jantar depois, então não tinham vindo à minha casa com expectativas gastronômicas. A conversa continua, mais uma cerveja, o salgadinho acaba, marido abre outro, e chega a hora do jantar do Matador. Eu não havia planejado muito, então no improviso fiz um macarrãozinho com molho de gorgonzola para o pimpolho, e, de repente, senti olhares estranhos para aquela massinha fumegante. As visitas estavam já no terceiro pacote de salgadinhos, já haviam rolado muitas cervejas, e de repente me dei conta de que já se haviam passado mais de duas horas.

"A que horas é o jantar de vocês?"
"Ah, não, nosso jantar foi cancelado."

Meu coração afundou de vergonha.

"Pombas! E eu aqui entupindo vocês de salgadinho? Por que vocês não falaram nada? Eu teria feito jantar pra todo mundo!"

No fim das contas, já era tarde, e nossos queridos amigos nos deixaram assim, de dedos cor-de-laranja e a boca amarrada de tanto sal dos três sacos de salgadinhos consumidos. E eu fiquei prostrada no sofá, arrasada por ter sido uma anfitriã tão porcaria. Eventualmente, eles voltaram à nossa casa e servi comida de verdade para compensá-los.

Esse foi um episódio extremo. Os outros episódios extremos foram para o lado oposto, quando me esgoelei por dias planejando e preparando pratos complicados para servir a convidados, quando me estressei por alguma coisa não sair perfeita, e quando fiquei confinada à cozinha, esbaforida e irritada, ao invés de aproveitar a companhia dos amigos na sala como uma pessoa normal.

Então, há pouco mais de seis meses, resolvi ler um livro maravilhoso que me fora dado de presente por uma leitora querida: o fantástico An Everlasting Meal, de Tamar Adler. Um livro de cozinha como nenhum outro, um livro de cozinha que eu gostaria de ter escrito, pois ele muda completamente o seu modo de enxergar os ingredientes, os restos, os potenciais, e, principalmente, os defeitos. Como transformar arroz queimado ou empapado em algo comestível novamente, como aproveitar os ingredientes ao máximo, de talos até o óleo da lata de sardinha, e, o que mais me marcou, como aprontar um petisquinho no melhor do improviso quando aparece gente em casa de surpresa e, assim como com os livros do David Tanis, como manter em mente que é a companhia que interessa, e que simplicidade e boas intenções contam mais do que qualquer técnica culinária. Ela fala de modo tão caloroso e poético sobre a delícia simples de um pãozinho amanhecido dourado no azeite, que é como se ela viesse e desse um tabefe em toda aquela pesada pretensão e preciosismo que sentavam nos seus ombros, encurvando suas costas e tornando o ato de receber tão, tão exaustivo.

Uma vez por semana, um amigo nosso e também nosso treinador vem aqui em casa, à noite, para treinarmos Kettlebell (que recomendo muitíssimo, principalmente se você também teve filhos e já não sabe mais o que fazer com suas adoráveis pelancas). Minha irmã também vem, e é sempre um treino muito bom e divertido, que sempre, sempre, sempre, termina com cerveja e um petisquinho. Às vezes, é simplesmente um pacote de qualquer salgadinho que o marido tenha estocado para as noites de video-game, pois ninguém é perfeito. Mas em outras ocasiões, eu abro a geladeira e encontro possibilidades. Um queijo coalho, que corto em cubos, douro no azeite e sirvo com um pouco de mel e palitinhos para espetar. Castanhas de caju douradas no óleo de coco e polvilhadas de cominho, sal e pimenta caiena. Hommus com o que tiver: palitos de cenoura, de pepino, pãozinho, o que for. Pãozinho dourado em manteiga e polvilhado de ervas secas. É divertido tentar ver o que consigo fazer com o que há na geladeira e que seja mais saudável para um pós-treino do que um monte de salgadinho porcaria.

Então, noutro dia, o marido me lembrou de que viria gente em casa à noite, num dia em que eu estava ainda com a cabeça atrapalhada com a finalização de um trabalho grande e as crianças já de férias. Antes de entrar em pânico e começar a pensar coisas muito complicadas, respirei fundo e fui olhar a geladeira. Havia um abacate super maduro. Havia grão-de-bico cozido no freezer. Havia castanhas de caju.

Preparei um guacamole simples. Preparei hommus, pois sempre tenho limão e tahini em casa. Preparei minhas castanhas apimentadas. Cortei alguns legumes para acompanhar o hommus. Abri um pacote daquele salgadinho que finge ser nachos para acompanhar o guacamole. Havia já muito o que comer, que eu preparara em menos de meia hora, e ainda sobrara tempo. Resolvi sovar em cinco minutinhos um pão chato integral com cominho, para uma alternativa mais saudável aos tais nachos, e deixei fermentando enquanto dava jantar e banho nas crianças. Quando o povo chegou, eu estava tirando os pãezinhos do forno. Não fosse o fato de terem decidido pedir uma pizza, eu tinha ainda outras cartas na manga, como cortar um queijo branco em cubos e polvilhar com ervas e azeite, ou preparar mini crepiocazinhas, com metadinhas de tomate cereja, como se fossem blinis ou pizzinhas.

Foi divertido preparar tudo, povo comeu à beça, e no fim das contas, achei o máximo que aquilo que terminei servindo (legumes, guacamole, hommus, pão chato e castanhas apimentadas) era saudável, natureba e vegan. ;) Ok, descontado o doritos. :P

Enfim.

Lembrei-me de épocas em que jamais teria servido hommus e guacamole no mesmo "evento", pois acreditava que precisava seguir uma temática mais precisa ou qualquer bobagem do gênero. E fiquei contente por ter aprendido FINALMENTE a relaxar um pouco.

E achei que esse post valia, se não pela foto medonha aí de cima, pela receita desse pãozinho gostoso e fácil e para deixar essa dica tão besta, tão óbvia, mas que nunca tinha me ocorrido: abacate e grão-de-bico congelado (ou em lata) salvam qualquer visita. Nem precisa ter ingredientes de hommus ou de guacamole. Durante anos preparei uma pastinha de grão-de-bico do Jamie Oliver que consistia em amassar uma lata de grão-de-bico escorrido, 1 dente de alho, suco de limão, um pouco de pimenta calabresa e um pouco de cominho em pó. Dá pra fazer hommus com tomate, com beterraba... Nem precisa ser hommus. Qualquer feijão congelado pode virar uma pastinha gostosa, principalmente se for feijão branco. Guacamole, faço cada hora de um jeito, dependendo do que tenho em casa: às vezes coloco coentro, às vezes coloco cebolinha, às vezes tomate; quando não tem nada disso, apenas suco de limão, sal e tabasco já bastam. Mas certa vez fiz uma pastinha de abacate da Rachel Khoo que era apenas 1 abacate pequeno bem maduro batido no processador com um pouco de suco de limão, sal, pimenta do reino e 50g de amêndoas tostadas no forno: delícia e super diferente.

E viva uma vida menos complicada.

PÃO CHATO COM COMINHO
(Quase nada adaptado do ótimo livro A Change of Appetite, de Diana Henry)
Faz 6 pães chatos, feitos para serem quebrados ou rasgados à mesa

Ingredientes:

  • 3/4 xic. farinha de trigo integral
  • 2/3 xic. farinha de trigo branca
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 1/2colh (chá) fermento biológico seco
  • 1/4 colh (chá) açúcar
  • 2/3 xic. água morna
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1 colh. (chá) sementes de cominho


Preparo:

  1. Misture as farinhas e o sal numa tigela. Em outra, dissolva o açúcar e o fermento em metade da água e espere formar espuma. Junte o fermento à farinha, adicione o azeite e o cominho e misture, juntando o restante da água aos poucos.
  2. Sove por dez minutos em uma bancada ligeiramente untada com azeite, até que a massa esteja macia, uniforme, brilhante e elástica. Coloque em uma tigela ligeiramente untada, cubra com filme plástico e deixe que que dobre de tamanho por aproximadamente duas horas.
  3. Ligue o forno na temperatura máxima e coloque uma pedra de pizza nele. Sove a massa fermentada por alguns segundos e divida em seis porções iguais. Disponha em uma assadeira ligeiramente enfarinhada, cubra com um pano e deixe que descanse por dez minutos.
  4. Abra cada pedaço de massa com um rolo, em formato oval, com cerca de 15cm de comprimento ou mais se conseguir. Asse os pães diretamente sobre a pedra, em quantas levas for necessário, por cerca de 2-3 minutos ou até que inflem e criem bolhas. Para mantê-los quentes e macios, envolva em guardanapos assim que saírem do forno. 


Pato, Purê, Paris, Mãe, Maçã, Maquiagem

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Título de doido. Mas vem comigo.

Depois de um ano e meio de reeducação alimentar e muita, muita corrida, eu finalmente me sentia bem comigo mesma. Estava em forma, com uma rotina saudável, o trabalho apontava para direções animadoras, e tudo ia muito bem. Tão bem, que decidi que era hora de vir o primeiro pimpolho.

O primeiro pimpolho veio, e com ele aquele choque em perceber que um filho não era apenas mais uma tarefa incorporada ao seu dia, mas meio que o seu dia inteiro. Junto com todo o amor e a coisa doida que é ver aquela fofura se tornando um ser humano independente e com personalidade, veio aquele outro choque: eu sou mãe. Rolou uma bizarrice de sair me livrando de roupas que eu não julgava mais apropriadas para minha nova fase, rolou um stress de querer ser um modelo de perfeição natureba suprema para meu filho, e, como toda a despirocação para um extremo, o pêndulo volta todo o caminho e você despiroca pro lado oposto não muito tempo depois. E de jogar fora minha saia curta e sair vestida igual à minha mãe de sessenta anos, eu comprei um novo par de coturnos, usei meu short jeans até ele ter mais buracos do que jeans de fato, e... pintei o cabelo de roxo. ROXO. Mesmo. Inteiro. Roxo.

Eu quis pintar o cabelo de roxo minha adolescência inteira, mas não conhecia na época um cabeleireiro que tivesse uma tintura mais ousada do que o vermelho que a Claire Danes usou em Minha Vida de Cão. Precisei esperar ter mais de trinta anos, mais coragem e mais saco cheio daquilo que eu achava que esperavam de mim por ser mãe.

Erro.

Pintar cabelo colorido é um comprometimento. E eu já estava comprometida com meu filho e meu trabalho. Cabelo colorido que a gente não tem tempo de cuidar fica um show de horror. E pouco tempo depois de pintar o cabelo, eu engravidei de novo, e tive de passar nove meses com o cabelo descolorido-amarelo-piupiu, manchado de roxo-desbotado e com textura ressecada de cabelo de Barbie enfiada na piscina cheia de cloro.

Olhar para isso no espelho durante quase um ano não foi legal.

O cansaço de trabalhar, cuidar de casa, de criança na fase dos terríveis dois anos e de um bebê recém-nascido também não ajudou.

Passaram-se quatro anos desde o nascimento do meu primeiro filho, e parecia que o trabalho ainda não tinha engatado de novo do jeito que era, eu não conseguira voltar a correr todos os dias, a segunda gravidez deixou meu abdome mais flácido do que a primeira, não dava tempo de ir ao cabeleireiro, e aos poucos eu fui esquecendo de cuidar de mim. A gente fica trancafiada em casa, olhando só pra criança, pra prancheta e pro computador, e começa a achar que dá pra ir buscar os filhos na escola de chinelo e sem pentear o cabelo. Eu tivera aquele plano lindo de vestidos de cintura marcada, mas me via todo dia com o mesmo moletom velho.

:(

A gota d'água foi ir ao supermercado com minha filha, eu vestida de mendigo, ela fazendo uma birra escalafobética porque estava entediada e o moço dos frios estava demorando vinte minutos para cortar 200g de queijo Prato, e aparece, linda, radiante, perfumada, uma das mães da escola, super simpática, e sempre impecável – aquele tipo que você quer muito odiar, porque ela tem tempo de lavar o cabelo e você não. Ela vem, conversa, e eu me sentindo um lixo, tentando impedir a pimpolha revoltada de escalar a prateleira de vinhos. Estrelinha para a mãe simpática que teve a classe de ignorar a birra e agir como se nada estivesse acontecendo. [Sério, você que não tem filhos, nunca, nunca olhe feio para uma mãe tentando conter a birra do filho em local público. Você simplesmente não sabe o que está de fato acontecendo, e a mãe já está se sentindo suficientemente mal sem precisar de olhares de julgamento sobre sua capacidade materna.]

Voltei para casa querendo chorar de raiva. Raiva de mim.

Então, num dia particularmente cansativo, marido chega em casa, liga o rádio e coloca Charles Aznavour. Eu sorri, contente pela delicadeza: ele sabe como gosto de Chanson Française e como esse tipo de música melhora meu humor. Ouço um "pirulim!" vindo do meu celular ao lado, de capinha roxa como um dia fora meu cabelo. Apanho o aparelho para pegar uma mensagem do wasapp e demoro um bocado a entender quando vejo uma imagem de uma confirmação de vôo.

Para Paris.

Amo meu marido, pois nos momentos em que mais preciso, ele sabe como me motivar novamente. Seja com um cafuné, minha cerveja favorita ou uma viagem para um dos lugares que mais quero conhecer na vida.

Comecei a pesquisar loucamente sobre Paris. Coisas pra fazer, para ver, para comer. E o que vestir. Porque no auge do cabelo roxo, eu estava na Itália. Em outra viagem de uma semaninha que marido usou para me resgatar das minhas nóias "Maternidade x Individualidade". E, de cabelo roxo, maquiagem feita, me sentindo estilosa mas meio cheinha (estava na primeira semana da gravidez e não sabia, inchada sem saber por quê), vem um velhinho e, ignorante do fato de que falo italiano, virou pro colega e me chamou de Medusa.

:(

Adoro acreditar que sou o tipo de pessoa que não se importa com a opinião dos outros. Mas eu me importo sim, e aquilo doeu. Então, sim, quis saber o que vestir. Não só para não fazer muito feio, mas porque não fazia ideia do clima de lá na época em que vou.

Acabei caindo em um monte de sites de moda, coisa em que não fuçava havia anos. Eu sempre curti dar uma fuçada em sites de moda e sempre gostei de maquiagem, razão pela qual ninguém da família entendia porque diabos eu andava tão porqueira. Mas no pós-filhos, todas as vezes em que tentei me inspirar nesses sites para me arrumar mais, foi uma frustração atrás da outra. Porque você via um look legal, e percebia que tinha todas as peças menos AQUELA jaqueta que era o que compunha tudo de um jeito fantástico. E a grana pra comprar aquela jaqueta? Quem tem? Eu não. Ou quando você tinha TODAS as peças necessárias para ficar fantástica como aquela foto, mas você então se dava conta de que a razão pela qual a foto era maravilhosa era o fato de a mocinha ali ter dez anos a menos e não ter nenhuma pelanca marcando na camiseta. Todo mundo sabe como isso é troncho e besta, mas como te pega de jeito em momentos em que você está mais insegura. E o pior era perceber que aos trinta e cinco anos eu ainda estava insegura feito meu eu-adolescente. Muito disso vinha do fato de que eu ainda não conseguia me enxergar com meus trinta e cinco anos.

Por isso amei a coisa toda do Parisian Chic, do minimalismo francês e do "capsule wardrobe". Que coisa genial. Finalmente parecia ter encontrado algo que casava minha falta de tempo para ficar pensando em roupa de manhã, minha muquiranice, minha falta de saco para comprar roupa, meu desejo de minimalismo e praticidade e minha vontade de voltar a sair por aí... bonita. Olhei meu guarda-roupa e me dei conta de que já metade dele era preto, branco, cinza e listrado: fácil de combinar. O problema é que havia tantas, tantas outras peças escalafobéticas, difíceis de combinar, velhas capengas, que a vida de manhã cedo andava difícil e eu acabava usando sempre a mesma porcaria fácil e confortável, mas velha e mal ajambrada.

Fiz a rapa nos livros, mas também fiz a rapa no guarda-roupa. Mandei embora uma quantidade absurda de coisas velhas ou que eu não usava, comprei três ou quatro blusas básicas, uma botinha e um tênis para substituir o velho rasgado que fora pro lixo, e reorganizei meu armário, maravilhada com a mudança. Agora tudo combinava, nada tinha cara de farrapo, e, principalmente, tudo vestia bem no meu corpo, mesmo ele ainda não estando do jeito que eu gostaria. Finalmente fui ao cabeleireiro e deixei lá uma aquarela e meia por uma hidratação e um corte perfeito [eu meço coisas caras em termos de quantas aquarelas preciso vender para pagar por aquilo].

E enquanto continuava a fuçar em coisas de Paris, caí num vlog de viagem da Chata de Galocha (de quem eu nunca ouvira falar, veja só como sou alienada com algumas coisas...) e adorei o jeito dela; identifiquei-me com muitas coisas pessoais suas. E ainda que não tenha me interessado muito pela parte da moda, pois acho que temos gostos diferentes e eu realmente gostei da ideia do minimalismo francês, dei-me conta de que eu já havia sido uma pessoa que se dava quinze minutos para passar um creminho, só pra ter aquela coisa gostosa de ir dormir com o cheirinho gostoso que você escolheu. Aquele cuidadinho com você. Aquele cuidado que eu tinha parado de ter nos últimos quatro anos, tão preocupada em cuidar dos outros.

Voltei a usar um creminho. A passar hidratantezinho especial pro rosto. A passar maquiagem antes de sair de casa. E de repente a vontade de correr voltou. Voltou forte o bastante para me forçar a sair e correr e treinar ANTES de cuidar de qualquer tarefa de casa ou de trabalho. Pois eu sempre fui muito responsável, e acreditava que precisava primeiro dar conta das obrigações, para então ter lazer. Nunca me dei conta de que bastava encarar a corrida e os cuidados comigo como uma tarefa tão prioritária quanto responder email de cliente ou lavar a louça.

E voltei a correr de manhã, junto com o cachorro. Coisa pouca por enquanto, 3,5km, que é a volta do muro do condomínio, com direito a duas ladeiras consideráveis. Volto para casa, e faço um treino bom de kettlebell, que sumiu com a corcunda de mãe, tem botado aquela pelanca no lugar e fez meus braços e pernas afinarem super rápido, além da maravilha que é simplesmente ficar mais forte (não grande, que kettlebell não incha músculo, mas FORTE): poder pegar um filho em cada braço sem morrer de dor nas costas, por exemplo, é lindo. Se sentir saudável novamente é fantástico.

De repente me olhei no espelho e pela primeira vez vi aquela pessoa de trinta e cinco anos na minha frente. Mas não era mais uma mulher cansada vestindo as roupas da faculdade. Eu realmente gostei do que vi. :)

Nunca pensei que essa viagem a Paris seria o empurrãozinho que me faltava para voltar a ser Ana Elisa. Busquei a mim mesma durante todos esses anos nas minhas atividades, tentando voltar a ser a Ana que lia, a Ana que trabalhava, a Ana que que ia a museus, a Ana que saía à noite com os amigos, e esqueci completamente que, antes de ser alguém que fazia coisas, eu era simplesmente alguém que precisava de um pouco de carinho de mim mesma, e que eu só precisava olhar no espelho e gostar de mim de novo. E gostando de mim, eu me permito relaxar mais, eu me cobro menos, eu me estresso menos com coisas bestas. Até com a bagunça da casa, veja só.

Claro que a pesquisa sobre Paris rendeu dezenas de anotações sobre lugares e coisas para comer no meu pequeno guiazinho azul. E minha curiosidade foi atiçada a tal ponto, que comecei a ter uma vontade louca de preparar pratos franceses.

Pato é com certeza uma carne bem comum na França, bem menos do que aqui no Brasil. O que é uma pena, pois acho uma delícia, e no que se refere às coxas e sobrecoxas, tão fácil de preparar quanto frango.

Os pimpolhos adoraram, e no dia seguinte o Matador de Dragões veio pedir pra comer pato de novo. As maçãs assadas, as cebolas, o molho, o purê de batatas bem amanteigado, tudo combina e se complementa de um jeito tão perfeito... você precisa colocar no garfo bocados com todos os elementos ao mesmo tempo. E a gordura do pato, que a receita manda retirar duas vezes durante o processo, eu guardei num pote na geladeira para dourar batatas alguns dias depois. Delícia. :D

Às vezes me pergunto se eu compartilho demais das minhas loucuras aqui. Mas então penso que pode ter outra mãe cansada se afundando em obrigações e que possa, de repente, querer um empurrãozinho para voltar a se cuidar também. Eu me enganava dizendo a mim mesma de que não precisava de nada disso. Tentei me enfiar pelas vias naturebas mais extremas, mas eventualmente a gente tem que dar o braço a torcer e admitir que é muito lindo e ecológico o conceito de usar vinagre e bicarbonato pra tudo, mas que eu curto mesmo é um cheirinho de lavanda, e que meu cabelo meio ondulado, meio cacheado, precisa sim de um creminho modelador de vez em quando, e que eu amei o modo como o bb cream tirou um 5 anos do meu rosto (nunca tinha usado nenhum tipo de base antes, e agora estou apaixonada por esse troço). ;) Eu acho que eu mereço algum cuidado, eu mereço um tempo para mim, eu mereço sentar e ler um livro ao invés de tirar pó dos móveis e eu com certeza mereço um jantarzinho de pato assado enquanto a viagem a Paris não chega.

PATO COM MAÇÃS E CEBOLAS
(Ligeiramente adaptado do ótimo Good Things to Eat, de Lucas Hollweg)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 4 cebolas bem pequenas, descascadas e cortadas em quartos
  • azeite de oliva
  • 4 pernas de pato (coxa e sobrecoxa juntas)
  • sal e pimenta-do-reino
  • 2 grandes galhos de alecrim fresco
  • 3 anis-estrelados
  • 1 pau de canela, quebrado ao meio
  • 4 maçãs, sem miolo e cortadas em quartos
  • 200ml vinho branco seco (usei um pouco de Calvados com água, pois não tinha o vinho na hora)
  • 1 colh. (sopa) mel


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 240ºC.
  2. Espalhe as ervas e especiarias em uma assadeira. Misture as cebolas com um pouco de azeite e disponha na assadeira, sobre as ervas. 
  3. Esfregue as pernas de pato com azeite e tempere generosamente com sal e pimenta. (Pode abusar um pouquinho do sal. Eu coloquei bem mais do que costumo usar na comida e mesmo assim havia partes mais internas da carne sem sal.)
  4. Disponha as pernas na assadeira e leve ao forno, imediatamente abaixando a temperatura para 180ºC. Cozinhe por trinta minutos.
  5. Regue o pato com a gordura que tiver se depositado na assadeira, então retire quase toda ela, deixando apenas 2 colh. (sopa), mais ou menos. Junte as maçãs, volte ao forno e cozinhe por mais 30 minutos.
  6. Retire a gordura novamente, deixando qualquer molho escuro ou meleca grudada na assadeira. Misture o vinho ao mel, junte à assadeira, raspando com uma espátula de madeira, para soltar qualquer coisa grudada no fundo que vá formar o molho. Volte ao forno por 15 minutos. 
  7. Cheque o tempero e sirva quente, regado de molho. Lucas Hollweg sugere acompanhar com purê de batatas, batatas assadas ou uma salada de agrião. Eu fui com o purê de batatas e acho que fui bem feliz na minha escolha.  

A ida e a volta da porca louca – trabalhando com o que se tem. No caso, rabada.

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Quando tinha meus poucos 11 anos, desenhando loucamente minhas ideias descabidas, comprei um livro recém-editado chamado "Como Fazer Histórias em Quadrinhos", da editora Global. Nele, havia a seguinte tira: "A Ida e a Volta da Porca Louca".


Essa é a sensação que ficou de meus sete dias de férias em Paris: a ida e a volta da Ana Elisa a Paris. Foi, voltou, acabou. Foi tão curto. Foi tão rápido. Mas foi tão, tão bom.

Como dizia Mark Twain, você jamais saberá o asno que pode ser até viajar para o exterior. (“The gentle reader will never, never know what a consummate ass he can become until he goes abroad.” – Mark Twain, The Innocents Abroad) 

Viajar te deixa menos burro.

Aprendi em Paris que uma cidade pode ser linda e suja ao mesmo tempo. Como haviam me alertado, fiquei desconcertada com a quantidade de lixo no chão em áreas menos turísticas. Um amontoado de cocô de cachorro, bitucas de cigarro e embalagens vazias de isopor com restos de comida da madrugada passada. Dependendo do horário que você passa na rua, se o lixeiro ainda não passou, você até acha São Paulo mais limpa que Paris. No entanto, você olha para cima e parece que há um descompasso na noção de respeito com o passado, pois se por um lado os parisienses não titubeiam antes de jogar um cigarro aceso na calçada, por outro aqueles prédios de centenas de anos estão todos ali, conservados, reformados, coerentes com a paisagem, lindos mesmo quando ligeiramente decadentes. Assim como me aconteceu em Milão, não foi difícil vislumbrar como seria o centro de São Paulo se alguém tivesse tido a boa vontade de conservar as construções mais antigas do modo como elas mereciam, antes de virarem cortiços, garagens ou lojas de produtos contrabandeados, descaracterizando ou mesmo destruindo fachadas, condenando as casas e prédios antes lindos e históricos à fatídica demolição ansiada pelos especuladores imobiliários.

Também aprendi que, de modo geral, os parisienses têm aquela característica que muito aprecio, o orgulho de se fazer bem feito. Não fui a nenhum restaurante mega estrelado, nenhum lugar moderno e inovador e cheio de frufru. Nenhum lugar caro, se você desconsiderar a explosão do euro. Mas comi maravilhosamente bem em todas as refeições.



No Astier, pedi pato confitado, de pele crocante e carne macia, e uma tábua de queijos descomunal e deliciosa. Meu primeiro confit de canard, e aquele que será para sempre a base de comparação. Marido que não gosta de pato provou e aprendeu que daquele pato ele gostava.



No Comptoir Saint Germain, pé de porco desossado e empanado, acompanhado de purê de maçãs, a carne, a gordura e a cartilagem derretendo deliciosamente na boca. Aprendi que se você não se aventurar na hora da comida, jamais vai descobrir como pode ser gostoso um pé de porco, por mais estranha que a ideia soe. De sobremesa, um financier de pistache com sorvete de queijo de cabra e coulis de manjericão, acompanhado de frutas vermelhas. Ok, esse era mais moderno. Mas surpreendentemente bom e refrescante. Do tipo que quero reproduzir em casa.

No Café Constant, pernas de rã com purê de salsinha, deliciosa codorna recheada de foie gras, e îles flotantes, um merengue cozido nadando num creme pontilhado de sementes de baunilha e coberto de caramelo. Achei que a sobremesa era grande demais para mim, mas sem demora o prato estava vazio e teria sido lambido se eu estivesse no conforto de minha casa. Marido cheio de gordice roubava do meu creme para banhar seu enorme pedaço de crème caramel.

No Au Pied du Fouet, terrine de campagne absolutamente cremosa e deliciosa, uma salada verde com tomates, lardons (bacon) e queijo de cabra, e ameixas ao vinho de sobremesa (ex-vegetariana comendo carne todo dia com certeza precisa de ameixas ao vinho no meio da viagem).

Aprendi que se tivesse ido à França vegetariana, teria sido a viagem do omelette. Porque até a salada vinha com bacon. Melhor coisa que fiz pelo meu amor à comida foi ter ido a Paris depois de voltar a comer carne, ou talvez tivesse saído de lá um pouco frustrada.

No Café des Musées, foie gras com pãozinho de figo e geleia e steak tartare. E depois de comer duas vezes foie gras, aprendi que é sim muito gostoso, mas não tanto assim pra justificar o que se faz com o pobre ganso ou pato. Patê de fígado de frango basta pra mim. Nesse café aprendi também que as crianças francesas se comportam tão bem em restaurantes quanto uma criança pode se comportar. Elas não paravam quietas nas cadeiras, perambulavam por todo o restaurante e falavam alto como todas as crianças. Um casal de franceses ao nosso lado bufou e reclamou durante todo o jantar da algazarra dos pimpolhos. Tendo já presenciado coisa bem pior em restaurantes do Brasil, achei louvável os adultos tentarem controlar a pimpolhada sem nenhum jogo eletrônico, e achei toda a movimentação e barulho bem ok. O casal reclamão me incomodou bem mais.



No Robert et Louise, onde estávamos presos no restaurante por uma chuva forte, aprendi que adoro boudin noir (linguiça de sangue) com purê de maçã. Também pedi gigot d'agneau (um bife de cordeiro maravilhoso) feito numa chapa de ferro dentro de uma enorme lareira no fundo do salão, acompanhado das melhores batatas sautée que comi na vida, cozidas e salteadas na gordura restante na chapa de ferro. Aprendi que esse é o único jeito de se fazer batatas sauté. Pura perfeição. E de sobremesa, o melhor crème brulée da minha vida, com a proporção perfeita de gemas, amarelo, cremoso mas firme, substancioso, repleto de sementes de baunilha. Também aprendi que adoro Armagnac.

No Breizh Café, galette complète, um crepe fino de trigo sarraceno, com queijo gruyère de leite cru, presunto da Savóia e ovo frito, e de sobremesa um simples crêpe com limão e mel da Bretanha. Tão. Bom. Aprendi que aquilo que eu chamava de galette não é galette. Até eu conseguir produzi-la tão fina quanto se deve, eu simplesmente não estou fazendo direito.



Na Du Pain et Des Idées, simplesmente a melhor flûte (uma baguette menorzinha) e excelente pain au chocolat. Aprendi que um pão excelente e um queijo ok podem ser um jantar melhor do que um queijo excelente num pão mequetrefe. Aprendi que a gente definitivamente não sabe fazer pão direito e não tem o menor respeito por pão. Aprendi que o pãozinho está sempre lá para ser embebido no que resta de molho no prato, e isso é uma delícia, porque mesmo que você coma uma salada, o pãozinho está ali para saciá-lo. E que se você vai num pub e pede um hambúrguer (marido pediu um hambúrguer de porco espanhol que estava uma delícia), você recebe pãozinho pra acompanhar. Porque... né? Pão pra acompanhar o sanduíche. Por que não?

Também aprendi que os parisienses servem cerveja sem espuma. WTF? Só vinho salva.



Na Éclairs de Génie, aprendi que existe uma bomba de baunilha para estragar seu paladar para sempre. Nunca mais vou conseguir comer outra. Marido mandou eu comprar o livro do homem e aprender a fazer igual. Taí uma meta.

Na Bertillon, aprendi que uma bolinha minúscula de um sorvete extremamente bem feito pode ser melhor do que um pote inteiro de um sorvete mediano. Quando serviram o sorvete de baunilha, achei esquisito ele ser cinza, até olhá-lo de perto e me dar conta de que eram todas aquelas sementes de baunilha no sorvete claro que davam esse efeito. O sorvete de chocolate é tão escuro, denso e intenso, que também estraga você para a vida. Tipo colocar uma barra de chocolate belga inteira no freezer. Só que cremosa.

Aprendi também que a coisa toda das mulheres parisienses parecerem bonitas sem esforço é meio que verdade. Mas que o tal glamour parisiense é um mito descabido. Andei por toda a cidade em todos os horários, e as únicas pessoas vestidas de parisienses glamourosas eram as turistas tentando parecer parisienses glamourosas. O que vi, no entanto, foram mulheres francesas sabendo usar o que elas têm de melhor ao invés de tentar mudar o que são. Não vi uma francesa de chapinha no cabelo. Quem tinha cabelo liso, tinha cabelo liso, quem tinha cacheado tinha cacheado, etc, etc. Aquela coisa linda de ter o cabelo crespo ou cacheado ou ondulado e simplesmente dar uma arrumada com os dedos e sair na rua, e deixar o cabelo meio bagunçado porque é isso aí, a gente é assim, e cabelo cacheado que foi penteado fica horroroso.

Marido num dado momento começou a me perguntar por que diabos as francesas não penteavam o cabelo. Porque mesmo quem tinha cabelo liso escorrido parecia ter prendido o cabelo num rabo sem olhar no espelho. Expliquei o conceito engraçado do "sou linda, acordei assim". Ele riu. Então notei como isso só funcionava porque elas estavam minimamente maquiadas. Minimamente mesmo. Do tipo que você olha de longe e parece que só tem um realce nos olhos, um corado saudável nas bochechas. Nada de sombras pesadas, contornos evidentes.

Fiz o teste em mim mesma. Acordei com o cabelo do cão chupando manga. Coisa fácil para quem tem cabelo meio liso na raiz, meio cacheado no meio, meio ondulado nas pontas, e cheio de poinhóin que nasce torto bem no alto da testa e que se recusa a formar cacho ou seguir liso. Altos traumas com os poinhóin, esse cabelo que fica uma aura de desleixo em torno no rosto e que foi alvo já de muita escova, chapinha e até tratamento químico.

Larguei o cabelo como estava e ao invés de tentar domá-lo, amassei-o para fazer ainda mais volume. Com aquela cara cinza de quem dormiu nada, parecia que eu tinha saído do hospício. Então fiz minha maquiagem. Nem tanta coisa assim. Um bb cream bem leve, um jeito nas sobrancelhas falhadas, corretivo, rímel (porque meus cílios são inexistentes) e blush bem levinho. De longe, tô usando nada. Só trazendo à tona aquilo que se tem de bom.

Olhei no espelho.

I woke up like this. Flawless.

Uma roupa simples que me vestia bem, uma maquiagem simples bem feita, e o meu cabelo o mais natural possível. E ao invés de ficar com cara de quem tinha levado quarenta minutos pra se arrumar, aquele jeito de quem  simplesmente tá se esforçando além da conta, que sempre fica meio ridículo, fiquei com cara de "sou linda, acordei assim". Funciona de um jeito tão fantástico, que tive vontade de voltar no tempo e avisar meu eu-adolescente dessa coisa mágica de parar de gastar tanto tempo com cabelo e simplesmente usá-lo do jeito que ele é.

Aceitação. Sabe? É. Larga o terapeuta e simplesmente aceita o teu cabelo. Pronto. Problemas resolvidos.

No fim, o marido mesmo começou a notar como parecia que esse jeito de se aceitar e usar o que se tem de melhor parecia permear franceses e francesas de todas as idades. Com peito, sem peito, com bunda, sem bunda, magrinha, gordinha, todos pareciam vestir bem seus corpos como eles eram ao invés de se espremerem em modelos inapropriados para suas formas ou suas idades. Logo... todos pareciam elegantes e bonitos, mesmo de jeans e camiseta branca.

Enfim... aprendi que bonito é se trabalhar com o que se tem e saber tirar o melhor do que você é, ao invés de se apertar em soutiens que apertam os peitos, estragar o cabelo com a chapinha, e ficar usando roupas para uma realidade que não é a sua, seja sua idade, sua condição financeira ou seu tipo físico.

Também aprendi que o seu dia fica de fato mais gostoso quando todo mundo com quem você fala te diz "bom dia" e te deseja uma "boa jornada" quando você se despede. Um hábito que eu já tinha e que, aqui onde eu moro, me irritava muito por não ser correspondido. Brasileiro pode ser um povo muito caloroso em alguns aspectos, mas, meu deus, como é difícil arrancar um "bom dia" de um ser humano em São Paulo. Cansei de olhar nos olhos das pessoas, abrir um sorriso e dizer "boa tarde" e ser completamente ignorada. Mesmo nos restaurantes em que os garçons eram muito ocupados e o serviço era brusco, um "bom dia" e um elogio à comida bastavam para que eles sorrissem de volta, contentes, em Paris.

E não tem como: viajar deixa você menos burro porque você tem a oportunidade de confrontar sua realidade com a dos outros, e, então, aprender alguma coisa com esse evento. Que toda cidade grande tem problemas, que o que torna algumas mulheres mais bem resolvidas pode ser justamente o tipo de auto-aceitação que me faltava, que eu amo arte tanto quanto ou mais do que comida, que eu sou mais cosmopolita do que gostaria de admitir, e que talvez meu problema não fossem cidades em geral, e sim apenas São Paulo. Porque eu me sinto muito à vontade em outras grandes cidades do mundo, de um jeito que não me sinto mais em São Paulo, que parece me agredir os sentidos toda vez que piso nela.

Pensei no modo como os condomínios de apartamentos são cada vez mais feitos para que você nunca precise sair de casa, até mesmo incorporando shoppings centers e clubes. Como aqui nós estamos relacionando cada vez mais qualidade de vida à possessão de coisas: casa grande, carro bom, sofá caro, tv gigante, varanda gourmet... Quando fui à Amsterdam, chamou-me a atenção os apartamentos pequenos, clean, minimalistas. E agora em Paris, o mesmo. Marido ficou em choque com o apartamento de 25m2 que alugamos, e mais ainda quando expliquei que aquilo era meio que padrão, mesmo para alguém de classe média. Mas quando você entende o quanto sua vida acontece do lado de fora, o quanto a cidade permite que você fique ao ar livre, você se dá conta de que não precisa mesmo de mais espaço. Sua geladeira pode ser um frigobar (como era o caso no apartamentozinho) se você tem acesso fácil a comida fresca todos os dias. Você não precisa de um carro se o transporte público funciona. Você não precisa de uma tv gigante se a cidade provê cultura e entretenimento variado fora da sua sala. Você não precisa de clube se os parques são seguros e agradáveis.

Enfim.

Sua mente se expande e nunca mais volta ao tamanho original, e você aprende, então, muitas coisas a seu respeito, sobre o que é importante para você e o que é de fato qualidade de vida.

E enquanto eu bebericava meu vinho bom e barato e beliscava mais um pedaço de boudin noir, vi-me explicando ao marido porque todos os cardápios dos bistrozinhos pareciam ter apenas cortes "estranhos" de carnes. Eram pés, orelhas, rins, fígados, cabeças... Dividindo espaço com rãs e codornas e foie gras e peixes nobres. Fiquei pensando sobre quanta fome um ser humano precisou ter para catar um sapo no brejo e resolver comê-lo. Mas achei lindo ter tanta variedade desses cortes e partes mais "difíceis". Primeiro, porque estava morrendo de vontade de experimentar tudo. Segundo, porque amo essa noção de que se é pra matar um bicho para comer, é bom usá-lo todo. Quando vejo essa bizarrice de povo que só come o peito do frango, me dá aflição.

Povo! Compre o frango inteiro, pelamordedeus, que é bem mais barato e você tem mais refeições variadas, saborosas e interessantes do que comprando uma bandeja só de peito.

Além disso, isso dos "cortes estranhos" mostra claramente como comida excelente precisa de ingredientes BONS, não ingredientes CAROS. Lembrei de um artigo publicado há muito tempo atrás de alguém xingando o fato de todos os restaurantes paulistanos servirem o mesmo atum selado em crosta de gergelim. Eu ri. Porque era verdade. Conheço muita gente que não come nada além de "carne de primeira" (termo estúpido) e peitinho de frango, porque acha que todo o restante é "comida de pobre". Chique é falar de "cucina povvera" italiana. Mas comer língua ninguém quer. Bobagens, bobagens. Troco um filé mignon por uma rabada numa boa.

Peraí. Essa frase ficou horrível. >_<

Vamos começar de novo.

Aprendi que cozinha francesa mesmo, assim como a italiana, é muito mais pautada no que o povo teve que usar para se virar e encher a barriga do que em qualquer fricote de pratinhos minúsculos de ingredientes carésimos. Uma terrine de porco bem feita, cheia de partes "estranhas" dá um couro em qualquer foie gras. Pelo menos eu acho.

Voltei da França com vontade de continuar me cuidando, com vontade de pintar alucinadamente, com vontade de comer pão bom em todas as refeições, com vontade de terminar todas as refeições com queijos, com vontade de cozinhar carnes "estranhas".

Começando com rabada (oxtail), que comi pela primeira vez em Trinidad & Tobago, e adorei.

Essa é receita de Nigel Slater, e ficou deliciosa. As crianças acharam esquisito mas interessante comer o rabo do boi, ou, como diz Thomas, "a cauda". Ficou muito bom com purê de batatas bem cheio de manteiga e o molho é de lamber o prato. Único problema é que eu calculei mal o tempo de forno e tive de tirar o bicho lá de dentro antes de estar de fato desmanchando, o que nos fez comer uma rabada ainda um pouco dura. Outra coisa: as ameixas ficam deliciosas, mas achei 200g coisa demais. Recomendo que se use menos. Ninguém consegue comer tanta ameixa em uma só refeição.

Enfim, fico feliz de ter conseguido FINALMENTE colocar esse post no ar. A vida anda uma loucura e uma bagunça, cheia de novidades e contratempos. Uma novidade é o meu canal de Youtube, Desenhoquê (Ana Elisa Gaiarsa Granziera), em que estou postando videos semanais com meu processo de trabalho. Porque, como eu disse, descobri em Paris que arte é de fato o que mais amo na vida, (tanto que fotografei mais quadros do que comida) e gostaria de enfim dedicar mais tempo "de internet" ao meu ofício de verdade. Além disso, ando muito empolgada com a linguagem do video, enquanto a do blog tem me cansado um pouco. Os posts aqui continuam existindo, mas mais esporadicamente. Espero que compreendam, que me visitem lá no meu canal e que gostem do meu trabalho. :)

Também espero que gostem de rabada... ;)



RABADA COM AMEIXAS SECAS
(do livro Notes from the Larder, de Nigel Slater)
Rendimento: 2 porções bem servidas

Ingredientes:

  • 2 colh. (sopa) azeite
  • 1,3kg rabada
  • 2 cebolas picadas grosseiramente
  • 5-6 tiras de casca de uma laranja + o suco da laranja
  • 200g ameixas secas macias, sem caroço
  • 1 colh. (chá) sementes de zimbro
  • 2 xic. vinho tinto


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 220ºC.
  2. Aqueça o azeite em uma panela grande, com tampa, que comporte toda a rabada numa camada única e que possa ir ao forno.
  3. Junte os pedaços de rabada, lado cortado para baixo, e cozinhe por 4-5 minutos de cada lado, até que o óleo esteja chiando e a carne esteja dourada. Transfira para um prato.
  4. Junte as cebolas ao óleo quente, e refogue em fogo mais baixo, até que comecem a amolecer. 
  5. Volte a rabada para a panela, junte as cascas de laranja, o suco, as ameixas, o zimbro e o vinho. Tempere com sal e pimenta.
  6. Aumente o fogo e leve à fervura. Tampe imediatamente e transfira para o forno. 
  7. Cozinhe por 25 minutos, então abaixa o fogo para o mínimo e cozinhe por 2 horas ou até que a carne esteja se soltando do osso facilmente. (Se parecer que o líquido está reduzindo muito rápido, acrescente um pouco de água ao molho e tampe novamente.)


Um monte de sorvete, um monte de livros

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Pimpolhada come como gente grande. Às vezes fala que não está afim de comer toda a berinjela. Mas come a berinjela. E come escarola. E come a salsinha no meio da comida. E experimenta uma coisa nova quando eu digo que eles nunca comeram aquilo na vida.

Minha vida culinária anda muito tranquila. :)

Valeu a pena encher tanto os pacová dos meus filhos durante esses quatro anos e meio.

Tanto que pude dar um tempo em toda a quinua e toda a mousse de chocolate com abacate. Não precisei enfiar linhaça em mais nenhum prato, porque eu não preciso mais esconder o espinafre. Todo mundo está forte e saudável e come o espinafre sem muita birra assim, só aquela coisa verde no centro do prato. (Mas confesso que toda a carne que rolou nos últimos meses nos fez desejar um ano vegetariano em 2016...)

A naturebice então deu uma relaxada, e depois de alguns picolés feitos apenas de fruta gelada, comecei a produzir sorvetes mais complexos de novo, coisa que eu não fazia havia um tempo, tentando fazer crianças que empurravam a abobrinha para longe comer pelo menos fruta de sobremesa então.

Aconteceu uma avalanche de sorvete nos últimos meses, para a alegria geral da família. Primeiro o de chocolate, que fez o povo aqui revirar os olhos de tão bom. Quase ganache congelada. O de iogurte já fiz mais de sete vezes. O de café e canela foi uma surpresa, como um cappuccino geladinho e cremoso, tão bom que até o marido que não gosta de sorvete de café gostou. O de buttermilk acabou no dia em que foi feito, no Natal, e todo mundo aprovou e elogiou e lambeu os beiços. O de pão era uma ideia estranha que ficou ótima, pois usei o panettone amanhecido e ele ficou parecendo um crocante dentro do sorvete. A receita original não usava açúcar no creme de ovos, mas achei isso muito esquisito, então acrescentei um pouco. Também só coloquei o crocante de panettone depois de tirar o sorvete da sorveteira, pois gente que acrescentou antes, como a receita pedia, reclamou que o pão meio que dissolveu lá dentro. Do meu jeito, o crocante continuou crocante. Ainda rolou sorvete de limão com spekulatius e sorvete de chocolate ao leite com Guinness e crocante de aveia, os dois do David Leibovitz. Mas as receitas são mais complexas e mais caras, então só vou colocar se muita gente pedir, ok?

E enquanto a comida de todo dia anda mais relaxada e mais simples, eu comecei a perceber que mesmo os livros que eu havia guardado depois da primeira rapa andavam abandonados.

Separei-os então e os apaguei da minha lista do Eat Your Books. E prossegui a vida, usando apenas os que ficaram na minha estante.

E para minha surpresa, ninguém morreu de fome. ;)

Fiz então mais uma rapa entre meus livros favoritos, mantendo em mente o que eu levaria se pudesse levar para uma ilha deserta apenas uma mala pequena de livros. Alguns dos selecionados para ir embora contém receitas que amo muito, mas que já tenho aqui no blog ou anotadas em outro caderno. Ou essas receitas já sei de cor e não preciso mais do livro. Ou elas são excelentes mas são muito parecidas com outras que já tenho,  e não preciso duas coisas parecidas ocupando lugar na estante se podia haver uma só. Eu manteria todos eles, não fosse meu desejo forte de limpar um pouco a casa de tantos livros e coisas.

Então deixo aqui para vocês a lista dos livros que estão indo agora, se alguém se interessar. Caso haja interesse em um ou mais de um, mande-me um email em lacucinetta@gmail.com (NÃO mande pelos comentários, só via email, para eu controlar melhor), informando seu cep para o cálculo do frete. Quando o livro for pago, risco aqui da lista.

Os livros estão todos usados, mas em bom estado. Estão empoeirados, alguns com a capa externa (dust cover) com sinais claros de uso, de quando você puxa a lombada para tirar da estante, mas o interior está perfeito. Alguns têm anotações. Os preços estão relativos ao menor valor do livro usado na Amazon americana, de onde comprei, e convertidos de real para dólar, mais ou menos.

Lembre-se que a maior parte dos livros de 60 reais é GRANDE e se você morar muito longe de SP, o frete pode ficar meio caro.

E para quem não quer os livros, ou para quem quer também, deixo aqui as receitas dos sorvetes. :D


LIVROS POR 60 REAIS + FRETE:

  • THE COUNTRY COOKING OF FRANCE, Anne Willan (Lindo, grande, cheio de imagens, melhor ensopado de peixe e melhor caramelo salgado que já fiz)
  • THE BLUE CHAIR JAM COOKBOOK, Rachel Saunders (Lindo, gigante, muitas receitas muito bem explicadas, para quantidades razoavelmente grandes de geleia – eu costumava dividir pela metade ou em quartos para quantidades pequenas. Mas combinações maravilhosas.)
  • FOOD FROM MANY GREEK KITCHENS, Tessa Kiros (Ótimas receitas, mas sinto que já tenho o que quero dela em termos de influência grega em todos os outros livros que tenho da Tessa.)
  • MARCELLA's ITALIAN KITCHEN, Marcella Hazan (Muito bom, livro raro, fotos antigas, receitas ótimas, mas no fim volto sempre para os meus outros livros dela.)

LIVROS POR 30 REAIS + FRETE:
  • LOCAL FLAVORS, Deborah Madison (Excelentes receitas acho que quase tudo vegerariano, mas acabam sendo variações de tudo o que já tenho da Deborah Madison. )
  • THE ART OF FERMENTATION, Sandor Ellix Katz (Nunca usei, mas ganhou prêmios e ensina a ciência de se fermentar qualquer coisa.)
  • A16 FOOD + WINE, Nate Appleman e Shelley Lindgren (Melhor pizza. Fiz bastante coisa desse livro, com a conserva de atum, as almôndegas de frango, as cenouras com ervilhas, o ragù com polenta de castanha...)
  • THE SWEET LIFE, Kate Zuckermann (Livro lindo, receitas super apetitosas, a Pat do Technicolor Kitchen já me mandou largar mão de ser besta e usar o livro, mas eu simplesmente nunca me animei. Sempre acabo achando outra coisa pra preparar. Me arrependo de nunca ter usado o livro, mas no espírito da rapa, não vou nem tentar usar, pra não acabar ficando com ele.)
  • DESSERTS BY THE YARD, Sherry Yard (ótimo. O Devilish Angel Food Cake é maravilhoso. O Corn Bread docinho docinho parece um bolinho de fubá bem molhadinho.)
  • COZINHA DE ORIGEM, THiago Castanho (Comprei pra me aventurar mais em cozinha brasileira, mas acabei não usando.)
  • THE NEW PORTUGUESE TABLE, David Leite (Muitas receitas apetitosas de muitas coisas que parecem brasileiras, por motivos óbvios. Mas também sempre esqueço de usar.)
  • CHARLÔ EM PARIS, Nina Horta (Comprei pela ilustração há mais de dez anos. Aprendi a fazer com ele as torradas com claras em neve no forno e o bolo de mel, que era uma delícia. Uma fofura para crianças.)
  • GIADA'S KITCHEN, Giada di Laurentiis (A pastinha de figo seco com avelã é a favorita da minha irmã, e eu aprendi com esse livro a comer sanduíche de pera com taleggio. Livro muito bom.)
  • SATURDAY's & SUNDAY"s, Kay Francis (Muitas receitas de cardápios para fazer em diferentes situações de fim de semana.)
  • MIETTE, Meg Ray (Saiu daí o meu menor bolo de aniversário do mundo, do ano passado, e meus marshmallows favoritos, um maravilhoso bolo de abóbora, thumbprint cookies, etc... E o livro é uma fofura. Pena que minha filha fez o favor de rasgar a capa externa e uma das páginas internas. Ainda assim, o livro vale. 
  • CHEZ PANISSE VEGETABLES, Alice WAters (Gravuras lindas, mas nenhuma foto. Receitas impecáveis.)
  • CHEZ PANISSE FRUIT, Alice Waters (Mesma coisa do Vegetables. Muitas receitas com frutas em pratos salgados, o que é bem legal.)

LIVROS POR 20 REAIS + FRETE:

  • THE GHIRARDELLI CHOCOLATE COOKBOOK
  • SEASONAL FRUIT DESSERTS, Deborah Madison (O foco é totalmente a fruta. Vários jeitos diferentes de se servir as frutas, seja com caldas, com queijos, com bolos ou biscoitos, transformados em pudins, em tortas...)
  • THE NAKED CHEF, Jamie Oliver
  • THE ULTIMATE FROZEN DESSERT BOOK, Bruce Weinstein e Mark Scarbrough (Ótimos sorvetes. Usei horrores esse livro.)
  • THE BOOZY BAKER, Lucy Baker (Gracinha de livro, com receitas de doces e drinks.)
  • MACRINA BAKERY AND CAFE COOKBOOK, Leslie Mackies (Pão de batata maravilhoso e muffins gigantes – tem que dividir a receita pela metade para assar em forma de muffin tradicional. Mas muito bons. Vários pratinhos salgados no fim do livro.)
  • COMO COZINHAR UM LOBO, MFK Fisher (Em português, sobre como economizar dinheiro na cozinha em época de recessão.)
  • FORMAGGI, Fiona BECKETT (Comprei na Itália, então está em italiano – melhor receita de fondue.)
  • THE MULTI-CULTURAL CUISINE OF TRINIDAD & TOBAGO & THE CARIBBEAN (Comprei em Trinidad. A cozinha de lá é uma mistura de chinesa, indiana e inglesa, muito interessante e apimentada. Mas no fim não estou usando o livro, que funciona mais ou menos como aqueles livros do SESI, com tamanho de porção, calorias, nutrição... é usado nas escolas de lá. Está em inglês.)
  • COOK 1.0, Heidi Swanson (Livrinho fofo mostrando variações sobre métodos de cozinha rápida. Vegetariano. Receitas simples, fáceis e gostosas.)


E agora... SORVETE!!!


SORVETE DE BAUNILHA
(Do Livro Twelve, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 700ml leite integral
  • 250ml creme de leite fresco
  • 1 fava de baunilha*
  • 4 gemas de ovo
  • 200g açúcar
* eu uso 200g do meu próprio açúcar baunilhado e acrescento mais 1 colh (chá) de extrato natural de baunilha.

Preparo:
  1. Se estiver usando a fava, abra-a ao meio com uma faca e raspe as sementes pra dentro de uma panela. Jogue a fava lá dentro junto. Junte o leite e o creme e leve à fervura. Retire do fogo. 
  2. Enquanto isso, bata as gemas e o açúcar (e o extrato se estiver usando no lugar da fava) até que fique homogêneo. 
  3. Junte o leite quente aos poucos, batendo sempre, pra que os ovos não cozinhem.
  4. Volte essa mistura para a panela e mexa com uma colher de pau, em fogo baixo, até engrossar um pouco. Não deixe ferver. (A medida certa é quanto você passa a ponta do dedo nas costas da colher – cuidado, está bem quente – e o líquido não escorre imediatamente, mas sim mantém o rastro do seu dedo intacto.)
  5. Desligue o fogo, passe por uma peneira para dentro de uma tigela grande (a peneira retira a fava e qualquer pedacinho de ovo que pode ter empelotado). Misture o conteúdo da tigela até que pare de sair vapor. Leve à geladeira por no mínimo 4 horas ou até uma noite inteira antes de colocar na sorveteira. Isso garante que a mistura vai gelar bem devagar e não vai criar nenhum cristalzinho de gelo. 


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SORVETE DE CAFÉ E CANELA
(Do livro Recipes & Dreams From An Italian Life, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 2 xic. creme de leite fresco
  • 1 pau de canela
  • 1 colh (chá) extrato natural de baunilha
  • 1 colh (chá) cacau em pó sem açúcar
  • 4 gemas de ovo
  • 2/3 xic açúcar
  • 1 xic (250ml) de café bem forte, de preferência espresso, se você tiver uma máquina de espresso
Preparo:
  1. Aqueça o creme, canela, baunilha e cacau em uma panela grande.
  2. Bata as gemas e o açúcar até que fique fofo e claro. 
  3. Quando o creme estiver quase fervendo, misture o café.
  4. Junte devagar o creme quente às gemas, batendo sempre. Volte para a panela e cozinhe como no passo 4 e 5 do sorvete de baunilha.
  5. Remova o pau de canela antes de colocar na sorveteira. 



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BUTTERMILK ICE CREAM OU SORVETE DE IOGURTE DO DAVID LEIBOVITZ
(Do livro Apples For Jam, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 1xic. de creme de leite fresco
  • 1 xic açúcar
  • 1 colh.(sopa) extrato de baunilha
  • 2 xic. buttermilk*
*Use o soro do iogurte quando você o drena para obter "iogurte grego" ou "labneh", ou use o soro restante da fabricação de queijo, que foi o que eu usei.

Preparo:
  1. Misture o creme, o açúcar e a baunilha e bata na batedeira ou com um fouet até começar a engrossar e o açúcar ter-se dissolvido. Junte o buttermilk, misturando sempre para incorporar. Leve à geladeira por 4 horas ou durante a noite antes de colocar na sorveteira.
  2. Alternativamente, pra fazer o sorvete de iogurte, você só precisa substituir o buttermilk por iogurte integral. Se quiser, pode omitir o buttermilk E o creme e usar 3 xic apenas de iogurte integral. Já fiz ambos e ficam ótimos 



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SORVETE DE PÃO COM MANTEIGA (OU DE PANETTONE)
(Adaptado do livro Apples for Jam, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 3 fatias de pão caseiro ou panettone
  • 3/4 xic. açúcar mascavo
  • 4 colh. (sopa) manteiga e mais para untar
  • 2 gemas de ovo
  • 1 colh (chá) extrato natural de baunilha
  • 1/2 xic. leite
  • 1 1/2xic creme de leite fresco
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Unte uma assadeira com manteiga. Esfarele o pão ou panettone com as mãos e espalhe as migalhas na assadeira. Polvilhe com 1/2 xic do açúcar mascavo, misture bem e leve ao forno pré-aquecido.
  2. Asse por 10-12 minutos, mexendo de vez em quando para não queimar. As migalhas devem ficar razoavelmente crocantes e douradas, mas não podem queimar. Retire e transfira para um prato frio para que não continuem cozinhando.
  3. Enquanto isso, aqueça o leite e o creme numa panela. Bata as gemas com o restante do açúcar mascavo e a baunilha até que fique homogêneo. Junte o leite quente aos poucos, volte para a panela e cozinhe como no passo 4 do sorvete de baunilha.
  4. Leve o creme e o pão torrado separados à geladeira por 4 horas ou durante a noite antes de colocar na sorveteira. Assim que o retirar o sorvete da sorveteira e colocá-lo num recipiente, incorpore o pão torrado. (Vai parecer pouco sorvete, mas ao misturar o pão ele vai preencher 1 litro.)



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SORVETE DE CHOCOLATE
(Do livro The Perfect Scoop, de David Leibovitz)
Rendimento: 1 litro

Ingredientes:
  • 2xic. de creme de leite fresco
  • 3 colh (sopa) cacau em pó sem açúcar
  • 140g chocolate amargo picado (SEM gordura hidrogenada)
  • 1 xic leite integral
  • 3/4 xic açúcar
  • 1 pitada de sal
  • 5 gemas de ovo
  • 1/2 colh (chá) extrato natural de baunilha
Preparo
  1. Aqueça 1 xic do creme misturado ao cacau em pó numa panela média, misturando bem para o cacau dissolver. 
  2. Leve à fervura, abaixe o fogo e mantenha em fervura branda por 30 segundos, mexendo sempre. 
  3. Retire do fogo, junte o chocolate picado e misture até que fique bem homogêneo. Então junte o restante do creme. 
  4. Coloque a mistura em uma tigela grande com uma peneira por cima e reserve.
  5. Aqueça o leite, açúcar e sal na panela agora vazia. Em outra tigela vazia, bata as gemas. Junte o leite quente às gemas aos poucos, volte para a panela e cozinhe como no passo 4 do sorvete de baunilha. 
  6. Derrame na tigela com o chocolate, passando pela peneira. Junte a baunilha e leve à geladeira por pelo menos 4 horas ou durante a noite antes de colocar na sorveteira. 



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Da simplicidade de uma sopa e do surto histérico da quinoa

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Uma amiga era dona de um café. Ela usava apenas ingredientes orgânicos e frescos para produzir seus pães de fermentação natural e seus bolos. Bolos de limão, de chocolate, de cenoura. Um dia, uma cliente lhe pergunta se ela não poderia fazer um bolo, assim, mais natural: integral, sem glúten, sem açúcar, sem gordura. Ela respondeu que seus bolos já eram naturais. E que o de banana era feito com farinha integral, se ela fizesse mesmo questão disso. O assunto morreu ali. Ela andava cansada de gente perguntando se não havia pão sem glúten no cardápio, ao mesmo tempo que se revoltavam por ela não vender refrigerante. Cadê minha coca zero? Mas eu quero pão sem glúten e cappuccino sem lactose. Ela sabia que ninguém ali era alérgico, celíaco ou intolerante. Só louco e chato mesmo.

Eu achei divertido experimentar com alternativas vegan ou sem glúten para facilitar minha vida e variar um pouco. Quando acaba o ovo, sei que ainda consigo fazer panquecas usando chia e água. Ou posso fazer meus bolinhos de lentilha usando inhame para dar liga. Quando estou sem farinha de trigo, ainda consigo fazer crêpes para o almoço, ou uma massa de torta, sem ter que encaixar uma ida ao supermercado num dia já suficientemente corrido. Quando todo mundo se refestelou muito de bolo de chocolate numa semana, acho prudente fazer quitutes sem açúcar adicionado na semana seguinte. É prático, é gostoso, mas a neurose para por aí, porque eu adoro fazer um belo lombo de porco com batatas assadas de vez em quando, meu risotto de legumes sempre vira supplì, devidamente frito como se deve, meus filhos adoram quando faço um bom e velho sorvete de chocolate, e eu amo finalizar uma refeição leve com uma fatia de algum queijo forte, no melhor estilo franco-italiano.

Se por um lado de início me encantei com alguns sites ou programas de youtube naturebas, porque adoro descobrir essas alternativas ou pelo simples fato de amar verduras e legumes, por outro, comecei a ficar um bocado incomodada com a abordagem reducionista do que essas pessoas consideram uma "alimentação natural" – apesar de continuar gostando dos sites e programas.

Grosso modo, vejo uma alimentação natural como você prover seu corpo com comida pouco ou nada processada, que tenha sido produzida de modo a gerar a menor quantidade de impacto negativo no seu ambiente e na sua comunidade (o que quer dizer orgânica, biodinâmica, caipira, fair trade, local, etc.). Se é azeite ou óleo de coco, se é cevadinha ou painço, se é abobrinha ou uma galinha criada feliz e saltitante... realmente tanto faz.

Acho que todo mundo que envereda para uma comida natural acaba caindo na boa e velha cestinha de óleo de coco, quinoa, abacate, couve e batata-doce. Mas pare e pense bem: uma pessoa que more na Inglaterra ou na Suécia e pretenda se alimentar quase que exclusivamente desses alimentos, pode estar super bem nutrido e pagando de hippie ambientalista, mas a verdade é que quase todos esses alimentos são produzidos do outro lado do mundo e transportados até seu mercadinho natural gastando um absurdo de combustível e embalagens. Isso não é lá muito natural, vai dizer... ¬_¬

Pare e pense na quinoa. No modo como os pequenos produtores andinos estão perdendo espaço para grandes produções de quinoa para abastecer o resto do mundo com sua fome de "super foods". Procure. Há várias reportagens a respeito.

Quanto óleo de coco um país tropical subdesenvolvido consegue produzir para que todas as novaiorquinas zero-waste possam produzir seu próprio desodorante?

Complicado.

Podemos até mesmo deixar a esfera do mundo natureba. Lembro-me de uma reportagem antiga numa revista Gourmet que mostrava a verdade sobre a produção dos tomates pelados enlatados. Que mesmo que fossem pelados e enlatados na Itália (o que lhes garante o texto: "produzido na Itália"), os tomates na verdade vinham do norte da África e várias outras localidades, em que produtores eram mal pagos pela indústria e trabalhadores eram explorados de formas vergonhosas. Apenas para que o mundo todo possa se sentir virtuoso abrindo uma lata de tomates pelados italianos para produzir seu molho.

Há outros textos ainda que dizem que é impossível abastecer o mundo todo de azeite de oliva extra-virgem, e que por isso a maior parte das marcas de azeite extra-virgem não é sequer virgem e muitas vezes sequer 100% azeite de oliva.

Num mundo ideal em que todas as cidades são abastecidas por um cinturão verde de agricultores responsáveis, nós teríamos uma alimentação natural de produtos nativos e locais. Uma inglesa natureba comeria comida pouco processada usando ingredientes comuns à sua cultura culinária, deixando o ingrediente exótico para uma ocasião especial.

Mas sabemos que isso é impossível. Tendo já visitado cidades brasileiras cercadas por centenas de quilômetros de monoculturas de vegetais destinados a se transformarem exclusivamente em combustível ou produtos alimentícios altamente processados (cana-de-açúcar, milho e soja), sei bem a cara que têm os mercados desses lugares: comida extremamente processada que veio de longe e meia dúzia de frutas e verduras que viajaram mal por tempo demais e longas distâncias, atravessando aquele deserto verde que deveria ser ocupado por agricultura familiar orgânica para abastecer de comida fresca e verdadeira aquela cidadezinha ali no meio.

Mas largando a política um pouco, porque, afinal, eu continuo comprando macarrão italiano e azeite português...

As pessoas parecem ter entrado nessa paranóia de que comida saudável só é saudável se for quinoa com couve e batata-doce, e pior, demonizando ingredientes maravilhosos como o trigo, com todos os seus nutrientes e sua versatilidade, além de sua abundante contribuição para as culturas culinárias do mundo todo.

Peguei um bode particular da onda do sem-glúten depois que li um estudo dizendo que o consumo de macarrão na Itália anda caindo vertiginosamente por conta disso. Se isso não te deixa com raiva, saiba que eu fico furiosa.

Noutro dia meu filho pediu peixe frito. "Eu aaaaaaamo peixe frito." Às vezes ele cisma de forma adorável com algum alimento específico, mesmo nunca tendo provado. O que faz com que ele me peça coisas estranhas como uma sopa de amendoim ou uma panqueca de atum. "Eu aaaaaaamo panqueca de atum."

Mas sendo quem eu sou, não resisti a fazer-lhe essa vontade e comprei peixe fresco. Envolvi os filés cortados ao meio em uma massa de farinha, ovo e cerveja de boa qualidade, como nos famosos Fish & Chips e fritei-os lindamente. Servi com um purê de batatas e ervilhas delicioso. Tudo fresco, tudo orgânico, tudo natural, local e sustentável. Família amou, Thomas ficou contentíssimo, e eu fiquei pensando nisso: olha só, comida boa e de verdade, e sem quinoa, sem couve e sem batata-doce.

Ri silenciosamente dessa constatação.

É tão fácil entrar na neurose que seu prato tem que sempre ter aquela cara de "tigela de quarenta e três ingredientes" (eu adoro tigelas de quarenta e três ingredienres), e que se não tiver linhaça no meio você não está sendo bem nutrido (e eu adoro linhaça)... que eu tenho intercalado a compra de arroz integral e arroz branco simplesmente pelo prazer de me lembrar que peixe frito com purê de batata também é comida de verdade.

Usei uma abóbora inteira, ainda que pequena, para preparar essa sopa, que, como sempre, sendo do livro da Ginette Mathiot, surpreendeu-me por ser tão ridiculamente simples e ao mesmo tempo tão fantasticamente deliciosa. Tanto, que até o marido que continua não gostando de abóbora repetiu.

E veja só. Ela usa um só legume. E é maravilhosamente natural. E saudável, e orgânica, e todos os outros adjetivos que hoje em dia precisamos incorporar ao nosso prato para nos sentirmos bons e virtuosos. E é amanteigada sem ser cheia de manteiga, e saborosa como se tivesse quarenta e três ingredientes, e suave e cremosa e com gosto de comida que você come quando quer um abraço. Para melhorar, ela ainda é francesa. O que nos coloca sempre na posição obrigatória de terminar a refeição com uma fatia de algum queijo forte e um suspiro de satisfação.

SOPA DE ABÓBORA
(Do sempre excelente I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)
Tempo de preparo: 30 minutos + 15 de preparo
Rendimento: 6 porções generosas.

Ingredientes:

  • 1,6kg de abóbora (de preferência Kabocha), descascada, sem sementes e cortada em cubos (uma abóbora inteira de cerca de 2kg)
  • 2-4 xic. leite *
  • 2 colh. (sopa) generosas de manteiga
  • sal e pimenta
  • croûtons caseiros (pão amanhecido, cortado em cubos e dourado em azeite e um dente de alho inteiro)


Preparo:

  1. Coloque a abóbora em uma panela grande e cubra com 4-6xic, de água. Leve à fervura, reduza o fogo e cozinhe por 25 minutos sem tampa, até que fique macia. 
  2. Bata num processador ou liquidificador até que fique cremosa. Retorne à panela, junte o leite até obter a consistência que você prefere na sopa, tempere com sal e pimenta e cozinhe por mais 5 minutos.
  3. Coloque a manteiga e os croûtons na sopeira (ou divida entre os pratos), derrame a sopa sobre eles e sirva imediatamente. 
* Observação: eu usei a quantidade menor de água para cozinhar, pois não queria uma sopa líquida demais e achei que seria mais fácil afinar uma sopa grossa na hora de incorporar o leite do que engrossá-la novamente, por razões óbvias. Também acabei não usando todo o leite. 










O fim do Facebook e um pão de fermentação natural

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É estranha essa sensação de estranhos aprovando uma decisão sua. Uma multidão de estranhos (dentre os quais alguns poucos nomes ou rostos mais ou menos conhecidos) aprovando sua decisão de comer mingau de aveia de manhã cedo. A mesma sensação de quando eu, aos cinco anos, mostrava um desenho para minha mãe e ela dizia que estava lindo e grudava na geladeira com um ímã de propaganda de farmácia que sempre saia voando ao primeiro vento forte na cozinha estreita em forma de corredor.

A mesma sensação de quando uma pessoa olha um quadro meu, um desenho feito aos meus quase quarenta anos, diz que está lindo, paga, leva para casa e bota na parede.

Eu pinto para mim, porque eu amo, porque eu preciso, porque o processo da transformação da tinta em imagem me fascina como fascina a transformação do meu cérebro quando eu aprendo um idioma, quando entendo um conceito novo, quando aperfeiçôo uma receita, quando resolvo uma birra infantil sem sair do sério, quando consigo saltar um buraco que antes me apavorava saltar.

Desenhei a vida toda mesmo antes de pensar em viver disso.

Para mim. Desenhei o que eu gostava e o que eu imaginava.

Mas a sensação infantil da aprovação que vem com a venda de uma obra é emocionante, é viciante, é fascinante.

E é uma versão infinitamente mais complexa e mais satisfatória do que a sensação de aprovação por eu ter fotografado meu iogurte.

Esses últimos meses de atividade no facebook foram um aprendizado. Primeiro, eles corroboraram com minha preguiça de escrever no blog, porque eu andava de fato sem ideias para textos, focando minha energia criativa em outras áreas da vida e sempre em dúvida se aquela receita era especial o bastante para ser publicada, uma vez que há hoje em dia mais receitas na internet do que gente que de fato cozinha.

É fácil postar no facebook. Não preciso baixar fotos da câmera, tratar, não preciso criar, escrever, revisar e revisar e revisar textos imensos.

Mas também é chato. Porque não consigo criar e escrever textos imensos. Que, mais do que qualquer receita, foi sempre o que me manteve nesse espaço, mesmo tendo por tantas vezes prometido parar com os posts. Eu gosto de escrever. Quase tanto quanto gosto de pintar.

E então o ato de fotografar meu mingau e postar meio parágrafo de receita apenas para mostrar uma rotina culinária virtuosa começou a me parecer frívolo, auto-indulgente e terminantemente inútil. Eu tentei me convencer de que aquilo inspiraria outras pessoas a se alimentarem melhor, mas a verdade é que eu só estava viciada nos comentários de apoio e nos likes.

Eu que sempre odiei facebook caí em sua rede feito um peixe atordoado.

Tentei me convencer de que eu precisava me manter no facebook pelo meu trabalho. Eu preciso ficar conhecida, diziam meus amigos. Mas conhecida pelo quê? Tanta gente no facebook que segue a página mas nunca leu o blog sequer sabe o que faço para viver. Quando as pessoas se referem a mim como "La Cucinetta" eu percebo que essa estratégia visualizada pelos meus colegas de trabalho saiu pela culatra. Quem me conhece por Ana Elisa veio do blog e conhece meu trabalho, e essas pessoas não precisam da interface do facebook, porque elas desenvolveram comigo um relacionamento através do blog pelos últimos dez anos. E isso é bem mais agradável. (Em tempo, não estou desmerecendo quem me conheceu através do facebook e nunca foi nada além de educado e agradável, mas apenas reitero minha preferência por uma interação mais pessoal.)

Os videos, exclusivamente sobre o meu trabalho, têm esse gostinho do blog. Essa sensação mais pessoal e mais criativa, que a linha de produção estéril e histérica de conteúdo no facebook  não tem.

Eu caí na pegadinha do facebook numa época em que meus amigos pararam de usar email fora do ambiente de trabalho e antes do wasapp surgir. Fora do facebook, perdi contato com muita gente, perdi eventos, e era difícil convidar as pessoas para o aniversário dos meus filhos. Entrei porque resolvi dar o braço a torcer e não ser tão retrógrada, tão resistente a mudanças. Com medo de não entender mais a tecnologia quando chegasse a vez dos meus filhos se enveredarem por ela.

Pareceu inofensivo no começo.

Então vi meu dia ser engolido pela torrente de informações inúteis na minha timeline. E descobri que você gasta um tempo brutal preocupado com a opinião de gente que não sabe nem onde você mora. E você fica irritado com discussões infrutíferas que você jamais teria na vida real com alguém que é de fato seu amigo. E você entende que na internet, muita gente que você admirava na verdade é um tremendo babaca. E você vê que convidar pro aniversário do seu filho via facebook é prático, mas clicar "eu vou" é tão fácil quanto esquecer de ir, e que a informalidade e a distância da internet só dá mais margem para a falta de respeito e de educação do ser humano.

Facebook consumiu meu tempo e meu bom humor. Acabou com minha paciência e com boa parte da minha fé na humanidade. Não é a toa que as pessoas mais tranquilas que conheço são aquelas que não tem conta em redes sociais.

Sinto há tempos uma necessidade de me fechar em mim mesma e no meu mundo, e encerrar meus conflitos e minhas opiniões em meu peito por tempo o bastante para que elas borbulhem para fora em forma de arte e pensamento construtivo, ao invés de serem cuspidas em fotos insignificantes e anedotas esquecíveis.

Da mesma forma que compreendi que não é a vida urbana que me repele, mas especificamente São Paulo, entendi que não é a vida online que repudio, é especificamente o Facebook e similares formas de ostentação de vidas forjadas.

Dá pra ver que muita coisa anda mudando dentro de mim. Essa busca incessante por um jeito meu definitivo de cozinhar, essa busca por uma forma mais saudável de me olhar no espelho, essa busca por um meio mais tranquilo de criar meus filhos, a busca por ter menos tralha, a busca por um lugar bom para morar, a busca por um bom modo de trabalhar e viver do meu trabalho, a busca por uma forma mais lúcida de me relacionar com o mundo digital. E isso envolve muitas idas e vindas, muitas decisões e arrependimentos, muitas tentativas e erros.

Talvez sejam os quarenta anos se aproximando. Fiquei em choque outro dia quando meu marido me lembrou de que eu faria 37 esse ano. Mas isso é assunto para outro post.

Eu entendo que as pessoas às vezes fiquem irritadas com minha volubilidade.

Eu mudo porque eu tento. Tentanto, eu experimento, e experimentando eu descubro o que funciona e o que não funciona para mim e para o momento que estou vivendo.

Facebook não funciona. Uma ferramenta que me parece boa porque corrobora com minha preguiça jamais será boa. Uma decisão que você tome baseada em preguiça jamais será a certa.

Estou encerrando todas as minhas contas no Facebook. Havia tempos já que mantinha minha conta pessoal tão somente por questões burocráticas: sou obrigada a ter uma conta pessoal para manter uma página profissional. Mas vinham meus amigos me perguntarem se eu havia visto isso ou aquilo na minha timeline, que eles haviam "me marcado", e eu só podia responder com um olhar curioso de quem não faz a mais pura ideia do que o outro está falando.

A profissional eu simplesmente não consigo me forçar a alimentar. O canal não me seduz. Mas sua existência me fez abandonar o blog onde eu descrevia minhas experiências e meus processos, e acho que isso foi uma perda. Quero voltar a alimentar o blog profissional com ilustrações e processos, pois ali as pessoas têm de fato acesso a todo o acervo do meu trabalho, ao contrário do facebook, onde não se consegue fazer uma busca decente de conteúdo e onde as informações são filtradas por algoritmos que decidem quem vai ver o quê baseado em quanto eu paguei ou deixei de pagar para a plataforma.

Mantenho o Pinterest (AnaElisaGaiarsaGranziera), que achei uma ferramenta agradável e útil para compilar conteúdo que me deixa de bom humor, e é um lugar bom para vocês verem que outras coisas eu preparei e gostei e que não vieram parar no blog.

Mantenho meu canal de trabalho no you tube (Ana Elisa Gaiarsa Granziera, ou Desenhoquê),  onde venho tentando explicar o que é de fato o meu trabalho. Volto logo com videos, assim que a vida se estabilizar, pois assim que voltei de férias durante o carnaval, marido teve apendicite, depois complicações, os horários das crianças mudaram... enfim. A vida acontece. Até o fim da semana tem video novo, e pretendo criar uma newsletter decente para quem se interessar em receber notícias a respeito de meu trabalho, como exposições, vendas, material novo.

Mantenho meu portfólio profissional (www.anaelisagranziera.com) e o blog de ilustração (www.anegg.com.br), que anda desatualizado pra burro, justamente porque fiquei jogando tudo no facebook, esse lugar onde a informação se perde e se inutiliza.

E aparentemente volto para esse blog em intervalos esparsos. Quando um conflito interno borbulhar em forma de texto.

Agradeço a quem apoiou as páginas do facebook até hoje. Peço desculpas pelo abandono. Agradeço quem continuou com o blog mesmo com ele às moscas. Talvez seja seu pensamento positivo insistente que me faça retornar sempre. Com certeza é esse relacionamento à distância, mas caloroso, que me faz ficar.

Os textos são mais longos, o "like" quase nunca é certo. Mas é como um pão de fermentação natural. É lento. É trabalhoso. Nem sempre dá certo. Mas o gosto que fica na boca é melhor. O prazer é mais duradouro. O aprendizado é garantido, mesmo quando não dá certo.

Eu nunca havia colocado receita de fermento natural no blog. Então aqui vai. Porque no fim, não é um bicho de sete cabeças. Mais do que técnica, exige intuição e atenção e sentidos apurados. Tudo aquilo que a interação fast food das redes sociais arranca de nossa experiência humana.

FERMENTO NATURAL
(do livro How to Bake, do Paul Hollywood)

Ingredientes:

  • 500g de farinha (+250g para cada alimentação) - de preferência orgânica, pois tem mais nutrientes para as bactérias; já fiz teste com a comum e não vai tão bem
  • 1 maçã orgânica pequena (precisa ser orgânica - você quer as bactérias na casca, não precisa nem lavar)
  • 360ml de água (morna se o dia estiver abaixo de 21ºC, temp. ambiente se estiver por volta de 24ºC e se gelada se estiver perto dos 30ºC ou superior)


Preparo:

  1. Rale a maçã com casca, apenas descartando o miolo. Misture aos 500g de farinha e à água até ficar mais ou menos homogêneo. (A minha farinha branca tinha acabado e usei uns 100g de farinha de centeio com sucesso.) A consistência que você quer é de mingau de aveia grosso. Ajuste a água se julgar necessário. Coloque a mistura num pote de vidro grande, tampe e deixe em temperatura ambiente por 3 dias. 
  2. Depois desse tempo, a mistura deve ter um cheiro adocicado como sidra e talvez escureça um pouco. Pode ter bolhas e até ter crescido. Descarte metade da mistura e alimente novamente com 250g de farinha e 170ml de água, ou o que for preciso para retornar a massa àquela consistência do primeiro dia (a massa tende a ficar mais líquida conforme o tempo passa.) Tampe novamente e deixe por mais 2 dias. 
  3. Depois desse tempo, a massa deve estar bem ativa, com muitas bolhas pequenas. Se nada estiver acontecendo, veja a lateral do pote, se há marcas de que a mistura cresceu e desinflou. Se isso aconteceu, está ativo. Se houver líquido sobre a massa, está ativo demais e o fermento já comeu tudo o que tinha: descarte o líquido, metade da massa e realimente, deixando por mais um dia. 
  4. Quando estiver pronto para fazer seu pão, descarte metade da mistura (ou, na verdade, guarde em outro pote para manter seu fermento, na geladeira, realimentando uma vez por semana), e misture 250g de farinha e água o bastante para criar uma massa bem molenga. (Você vai usar essa mistura toda para o pão, por isso guarde aquela parte que descartou para continuar com seu fermento.) Deixe por 24h.
  5. Quando a massa começar a borbulhar dentro desse tempo, está pronta para ser usada. Idealmente, ela deve estar grossa como massa para panqueca e borbulhante. Se não estiver, alimente outra vez e deixe por 2 dias. O tempo que seu fermento demora para amadurecer varia muito, dependendo dos ingredientes e do ambiente. Tenha paciência. 


PÃO SOURDOUGH BÁSICO
Rendiemento: 2 pães
Tempo de preparo: um montão.

Ingredientes:

  • 750g farinha de trigo orgânica
  • 500g fermento natural
  • 15g sal
  • 350-450ml de água (morna, temp. amb., ou fria/gelada, dependendo da temperatura do dia)


Preparo:

  1. Misture a farinha, fermento e sal em uma tigela grande. Junte 350ml de água aos poucos, misturando com as mãos e adicionando mais água se necessário, até formar uma massa macia e grosseira, e conseguir "limpar" a farinha da tigela. 
  2. Unte a bancada com óleo, despeje a massa e sove por 5-10 minutos, até a massa ficar macia e formar uma superfície lisa. A massa não deve ficar excessivamente grudenta nem chegar a ser seca. 
  3. Quando a massa estiver uniforme e sedosa, coloque em uma tigela untada, cubra com filme plástico e deixe em temperatura ambiente (algo entre 15-25ºC) por 5 horas ou até que pelo menos dobre de tamanho. 
  4. Prepare duas tigelas iguais para fermentar o pão, forrando com panos de linho (que não grudam na massa como panos de prato) e polvilhando com bastante farinha. 
  5. Sove a massa por alguns segundos, forme duas bolas iguais e coloque de cabeça para baixo as tigelas forradas e enfarinhadas. Polvilhe com mais farinha e embale as tigelas em sacos plásticos fechados, para não deixar a umidade escapar. Deixe em temperatura ambiente (entre 22-24ºC) por 10-13 horas. (Se o dia estiver muito quente e a massa estiver fermentando rápido demais, coloque na gaveta de legumes da geladeira por algumas horas.) A massa está pronta quando tiver pelo menos dobrado de tamanho e, ao pressionar seu dedo, a superfície volte ao normal devagar. Se a superfície estiver enrugada, passou do ponto. Retire da tigela, tente "espanar" o excesso de farinha, sove por alguns segundos, formando a bola novamente e deixe fermentar por mais 5-6 horas até dobrar de tamanho. 
  6. Para assar você tem duas opções. A opção do livro é de pré-aquecer o forno a 200ºC e forrar duas assadeiras com silpats. Inverta as tigelas nas assadeiras, retirando o pano, faça um corte na superfície do pão e leve ao forno um por vez por 30-40 minutos, até que doure e emita um som oco ao bater os nós dos dedos na parte de baixo. Minha opção é pré-aquecer o forno no máximo com uma panela de ferro dentro por meia hora, inverter o pão lá dentro, fechar a tampa e assar por 30 minutos e depois mais 15 sem a tampa. Isso sempre me dá uma crosta mais crocante e mais dourada, mas suspeito que seja por conta de defeitos no meu forno que isso não aconteça de outra forma. Fica a critério do freguês. 


Esse pão fica deliciosamente azedinho. Eu tinha parado de fazer sourdough, engolida pela preguiça e alguns resultados ruins, mas fiquei louca de vontade de novo depois de assistir à série Cooked, na Netflix.

Mesmo que seu sourdough não dê muito certo da primeira vez, fique achatado, sem cor, denso, o que for: ele ainda renderá excelentes torradas ou croûtons, melhores do que qualquer uma que você já tenha comido. Se nem isso, pelo menos excelente farinha de rosca. ;) Vale a tentativa.

Até o fim da semana devo encerrar o facebook. Então se você quiser algo que sabe que está lá, tem tempo de dar uma última fuçada. ;)



Cortando os excessos, eliminando desperdícios, fazendo bolo de radicchio

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Acreditava que meu ano começaria normalmente após o carnaval, como o da maioria dos brasileiros, mas o que aconteceu nos últimos dois meses, imprevistos grandes e pequenos e variados, foi como ter diferentes tipos de terremotos abalando a estrutura de minha casa. E, ainda dentro dessa imagem, esses abalos romperam canos que a partir de então deixaram escoar água num fluxo constante mas não tão evidente, de modo que quando me dei conta, a caixa d'água estava vazia.

Uso essa figura de linguagem pois uma vez, tendo vazamentos em minha casa – esses de verdade –uma grande amiga me disse: "cuide logo desses vazamentos, Ana, eles não apenas são dinheiro indo embora, mas também energia".

Isso ficou em minha mente por muito tempo, mas só recentemente a metáfora ficou clara.

Nesses dias em que as coisas ruins parecem drenar tanto minha energia que não sobra nada para aquilo que é bom, perdi muito tempo tentando me ater a atividades que costumavam me restabelecer e energizar. Mas ao invés de me sentir revigorada, percebia-me com a sensação de sobrecarga.

Então a voz dela ressoou em meus ouvidos: cuide dos vazamentos. Não me adiantava de nada tentar gerar mais energia se ela estava simplesmente indo embora para o lugar errado.

Uma luz tênue iluminou todo o ambiente e de repente vislumbrei as pequenas rachaduras por onde aquela água fluía, livre, para longe de mim. Ficou claro o modo como minha energia escapava para lugares que não me retornavam coisa nenhuma, que não me revigoravam, e que eventualmente me arrastavam para situações opostas ao que eu desejava para mim e minha família.

Evidentemente é mais fácil começar por vazamentos tangíveis. Aqueles mais controláveis. Eliminar o facebook e toda espécie de interação digital que não me faça bem. Ou rearranjar os horários das crianças para ser mais eficiente e não desperdiçar tanto tempo indo e vindo dos compromissos. Ou reduzir meu armário para não cair na pegadinha de sair todo dia como um deprimente saco de batata ou perder tempo escolhendo uma coisa melhor pra vestir – tudo combina com tudo e está visualmente ok, e sobra tempo para passar um rímel e tomar mais um café.

Mas comecei a perceber energia indo embora de outras formas. Em forma de objetos. Coisas. Porque quando você tem coisas, precisa de coisas para guardar as coisas, e precisa de coisas para limpar as coisas, e precisa de coisas para consertar as coisas e então mais coisas para substituir as coisas que quebraram mas que você não consegue jogar fora e então mais coisas para organizar essas coisas dentro das coisas.

Coisas ocupam espaço e acumulam pó e exigem tempo e trabalho para manutenção. E se você NÃO precisa dessas coisas, então está desperdiçando espaço, tempo e energia mantendo elas ali.

Coisas também são envoltas em frustrações e expectativas. Aquela coisa que você guardou para uma situação que nunca aconteceu. Aquela coisa que você ganhou de alguém com quem você não tem mais amizade. Aquela coisa que está lá pro dia em que você for alguém que você não é. Alguém me disse outro dia que frustração é excesso de passado e expectativa é excesso de futuro. E estamos aqui cortando os excessos, porque tudo o que é excesso é desperdício.

Se não me traz uma memória feliz, eu não quero. Se eu não uso agora, sendo a pessoa que eu sou hoje, também não. Porque ter coisas repletas de frustação e expectativa é como aquela torneira da cozinha pingando sem parar. É aquele barulhinho irritando você o dia todo sem você perceber.

Fora com os materiais de arte do tipo de artista que eu não sou. Fora com os cd's que eu não ouço porque me lembram uma fase ruim, fora com a linda terrine da le Creuset que eu NUNCA usei e nem vou usar (à venda, se alguém quiser), e todas as formas de bolo paradas, e todos os livros e mangás que não vou ler de novo, e todos os livros de arte ruins que estavam lá "só para referência", e as coisas quebradas que eu não vou consertar nunca, e até mesmo meu computador, meu Mac, esse computador "extra" na casa que eu uso apenas para responder emails e postar no blog.

Conforme vou resolvendo esse vazamento específico das coisas, no entanto, tentando controlar o ambiente à minha volta para resolver minha situação emocional, dou-me conta de outro grande vazamento de energia: justamente meu controle. Que eu sou control freak nunca foi novidade para ninguém. Mas só agora percebo quanta energia joguei fora tentando controlar o que eu não posso. Toda a preocupação, todo o gerenciamento, todo o planejamento direcionado a situações completamente fora da minha alçada.

Quando li um texto sobre zen outro dia, sugerindo o exercício de simplesmente deixar a situação descontrolada chegar, instaurar-se e ir embora sozinha, sem que você tentasse fazer nada para controlá-la, senti pânico apenas de imaginar. Mas identifiquei nisso uma necessidade em mim. Aprender a deixar as crises da vida virem e irem, sem que elas de fato abalem a estrutura da casa e drenem sua energia. Não deixar que um pequeno tremor se transforme num terremoto.

Inspira, expira.

E eu sei que esse rearranjo do meu ambiente é apenas mais uma forma de controle para obter conforto emocional. Mas eliminar o estresse bobo de algumas decisões desnecessárias pode tornar a mente mais leve para lidar de forma mais relaxada com esse caminho difícil de aprender a abrir mão do controle. Simplificar em volta para simplificar por dentro.

Voltei a olhar para os livros de cozinha. Aqueles mais de duzentos que haviam se tornado cem. E que ainda pareciam demais. Todo dia que queria fazer um bolo, vinha aquela indecisão. Tentava basear a escolha na despensa, mas mesmo assim era difícil.

Um bolo de maçã. Simples ou com alguma cobertura? Tradicional ou com farinhas especiais? Porque eu tenho aquela farinha de spelta pra usar. Ou a de quinoa. E tenho uvas passas, mas também tenho cranberries. Com óleo ou com manteiga? Leite ou iogurte? Ou vegan? Ou sem glúten? Ou invertido? A que usa só uma maçã ou que usa todas as que eu tenho? Mas essa receita de novo? Ela é perfeita, mas e aquelas outras setenta e duas receitas de bolo de maçã que eu tenho e nunca fiz? E se eu usar todas as maçãs pra fazer esse bolo? Vai ter maçã de novo semana que vem pra fazer aquele outro? Será que eu faço aquele outro? Será que aquele outro é melhor? Mas eu nunca usei esse livro. Tinha que usar esse livro. Mas esse bolo dá mais trabalho. Queria um mais fácil. Mas aquele mais fácil eu já fiz e eu tinha que usar esse livro que eu nunca usei. Opa, esse bolo de banana parece mais legal. Tem banana?

Entendem onde estou querendo chegar?

É SÓ UMA DROGA DE UM BOLO. ¬_¬

Não é paz mundial.

Você vai comer o bolo e seguir com a vida. Não era para ser tão importante. Não era para gerar tanta tensão. Quando um hobby virou uma fonte de estresse? Não sei. Talvez eu tenha de ler o blog todo de novo para descobrir. ;)

Reduzi novamente minha coleção de livros para 48, incluindo uns seis ou sete que eu nunca uso mas que são de estimação, como meu livro de receitas do Veneto do Alessandro Pradelli. Metade desses 48 estão ainda no "purgatório".


Percebi que tudo o que quero é ter uma boa receita de bolo de maçã. Ter maçãs, escolher entre no máximo duas ou três opções baseado no que tenho da despensa e seguir a vida. Parar de perder tempo procurando no eat your books, então apanhando meia dúzia de livros e lendo as receitas, e então me martirizando para decidir a droga do almoço. E parar de me sentir pressionada a usar um dos livros que eu tenho e parar de me sentir mal por estar usando uma receita da internet de novo. Ficar folheando livros de cozinha e planejando cardápios era um prazer na época em que tinha uma tonelada de tempo livre. Hoje em dia simplicidade tem me dado mais prazer do que refeições elaboradas.

Num dia desses, nesse frenesi de hora do almoço, fazendo um enorme quebra-cabeças de ingredientes e tempo e nutrição e curiosidade culinária, simplesmente larguei tudo e preparei uova in purgatorio (ovo frito com molho de tomate) acompanhado de torradas de pão caseiro. E fim. Todo mundo bem almoçado e feliz, que esse é o objetivo no fim das contas.

E essa ficha caiu com força há duas semanas, quando meu filho de meros cinco anos quebrou um dente e teve de fazer o canal. Foi um dia estressante para todo mundo e tudo o que eu queria era melhorar aquela sensação para todos e principalmente para ele. Fizemos juntos uma mousse de chocolate da Alice Medrich que fica pronta para comer em meia hora, e uma pizza bianca (só de queijo, sem molho de tomate) da Tessa Kiros para o jantar, acompanhada de uma saladinha verde. Assim como o dia do peixe com batatas, foi uma refeição deliciosa e tranquila. E vendo meu filho comer todo o alface primeiro para só então atacar a pizza, percebi que eu DE FATO não preciso mais ficar neurótica. Eles já estão educados. Eles já comem coisas verdes. Segue a vida.

Não quero apenas simplificar meu guarda-roupa. Quero simplificar minha vida. Preocupar-me com o que de fato importa. Não me ocupar da nada fora do meu controle. Numa realidade em que temos tantas decisões importantes para tomar, como qual novo dentista escolher para seu filho numa emergência em que seu dentista sumiu do consultório, eu realmente não quero transformar num estresse extra a escolha do jantar ou de uma blusa pra vestir.

Fui brutal com meus livros.

Amo de paixão os livros do Nigel Slater, do David Tanis e da Diana Henry, mas toda vez que eles estão na cabeceira da minha cama ou ao lado da minha poltrona de leitura, eu estouro o orçamento do supermercado. Idem para os livros naturebas que usam uma miríade de castanhas e farinhas especiais. Estão no purgatório o meu favorito do Nigel e meu favorito do David. O da Diana está indo embora.

Não apenas os livros, até a despensa urge por simplificação. Aqueles dezoito potes de farinhas diferentes vencendo.

Depois de todos esses anos de esquizofrenia culinária, momentos de extremos e chiliques alimentares, me vejo gravitacionando em torno da minha querida cozinha italiana, onde estão minhas raízes, ramificando para o restante do mediterrâneo, com breves e pontuais incursões na Ásia.

Tenho querido o bom e velho arroz simples. Uma boa salada verde bem temperada. Batatas cozidas regadas de azeite. Um filé de pescada frito. Um bolo de maçã com canela sem frescuras.

Como se toda a complexa busca dos últimos anos tivessem servido para me dar certeza do lugar de onde eu vim. Cada vez que janto na casa de minha mãe um prato de strogonofe de frango, um bolo de cenoura, creme de espinafre... vou amolecendo por dentro. Ouvir noutro dia que o prato favorito do meu marido é aquele spaghetti com o molho de tomates mais simples do mundo, da Marcella Hazan, tocou um ponto em mim.

Depois de fazer esse corte, olhei para os livros na estante (a de cima com os que ficam, a debaixo com o purgatório), e me dei conta de que são receitas bastantes para uma vida inteira. E que eu talvez finalmente consiga cozinhar um livro inteiro, ideia que sempre me apeteceu mas sempre foi impossível dado o excesso de opções dos meus duzentos e cinquenta livros.

Enchi-me de satisfação ao me ver preparando coisas que de outra forma não faria. Com tantas receitas de bolo de maçã pra testar, por que alguém pararia pra preparar um bolo de radicchio?

Porque é bom. Estou dizendo que é bom.

Allex veio me perguntar o que diabos eu tinha contra bolos de chocolate, mas uma vez tendo dado uma mordida num pedaço das crianças, ele estava convertido. "Caramba, eu não esperava que fosse bom!"

As crianças adoraram. Levaram para a escola todos os dias, pobres crianças estranhas levando pro lanche da escola bolo de radicchio. ;) Quando fui tentar tirar uma foto melhor, o bolo já não existia mais.

Usei para a cobertura um chocolate branco da marca Casino, que é cheio de pontinhos de baunilha e mais escuro que o normal, e quando o derreti por mais tempo do que precisava, ele acabou escurecendo como um caramelo leve. Parece estranho simplesmente besuntar o bolo de chocolate branco derretido, mas como o bolo é pouco doce, o açucarado do chocolate complementa bem.

Não se sente o amargo do radicchio no bolo. Ele é um variegado roxo no meio da massa clara que, combinado à noz moscada, sugere um sabor completamente novo e irreconhecível. Um bolo italiano vindo de Chioggia, um lugar onde um dia alguém se viu com radicchio demais ocupando espaço e resolveu simplificar a vida e colocar o radicchio no bolo.

Então, preparem-se. Vem aí mais uma edição da Rapa dos Livros. o_O

Simplificando, cortando os excessos, eliminando desperdícios e relaxando a bisteca.

BOLO DE RADICCHIO
(Do livro Recipes and Dreams from an Italian Life, de Tessa Kiros)
Rendimento: 1 bolo pequeno

Ingredientes:

  • 1 generosa colh (sopa) de farinha de rosca
  • 2 1/2 colh (sopa) + 1/2 xic. açúcar
  • 170g radicchio (metade de um pequeno)
  • 7 colh. (sopa) manteiga sem sal em temperatura ambiente
  • 3 ovos
  • 1 colh. (chá) casca ralada de limão
  • 1 colh (sopa) conhaque ou rum
  • 1 colh (chá) extrato natural da baunilha
  • 1 pitada de noz moscada ralada
  • 1 xic. farinha de trigo
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1 pitada de sal
  • 150g chocolate branco


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte uma forma de 20cm com manteiga e polvilhe com a farinha de rosca, descartando o excesso.
  2. Leve 1 litro de água para ferver com as 2 1/2 colh. (sopa) de açúcar. Solte as folhas do radicchio e coloque-as na água, cozinhando por alguns minutos até que amaciem. Escorra, esprema e pique.
  3. Na batedeira, bata a manteiga, o resto do açúcar e a casca de limão até que fique cremoso.
  4. Junte os ovos, um a um, batendo bem a cada adição. 
  5. Junte o conhaque ou rum, baunilha e noz moscada. 
  6. Desligue a batedeira, junte a farinha, o fermento e o sal e misture com uma espátula só até não ver mais farinha. Junte o radicchio e misture uniformemente. 
  7. Despeje na forma  e asse por 40 minutos ou até que um palito inserido no meio do bolo saia limpo.
  8. Deixe que esfrie completamente antes de desenformar. Derreta o chocolate branco em banho maria (se o chocolate não estiver derretendo bem, junte uma colher de água filtrada). Espalhe o chocolate sobre o bolo. Coberto, em temperatura ambiente, o bolo se conserva bem por uns 3 dias. 

Rapa dos Livros - Última Edição.

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Foi proferir em voz alta que eu queria abrir mão do controle para cair gripada na cama e depois ver marido e filhos igualmente doentes durante toda a semana. Tudo o que eu me havia programado para fazer durante esses dias caiu por terra. O universo às vezes parece que ouve a gente até demais.

Mas agora que as coisas voltaram ao normal (tanto quanto a vida pode ser), posso voltar aos planos iniciais: trabalhar e vender e/ou doar toda a pilha de coisas que separamos aqui em casa e que agora chafurda nosso quarto. ;)

Para quem quiser, essa é a lista de livros de cozinha e até alguns equipamentos de cozinha.
Quem tiver interesse em algum item, MANDE UM EMAIL para lacucinetta@gmail.com COM O SEU CEP e endereço completo pra que eu calcule o frete. Caso mais de uma pessoa se interesse pelos mesmos livros, a primeira da fila tem 2 dias para efetuar o pagamento ou os livros vão para o próximo da fila. Ok? Quem quiser retirar em mãos em SP, podemos combinar.

Lembrando que a maior parte dos livros tem sinal de uso, pois esses faziam parte dos meus favoritos e foram realmente bem usados. Existem alguns, no entanto, que estão super novos. Porque eu tinha acabado de comprar.




LIVROS DE COZINHA OU CONTENDO RECEITAS

R$100,00 + frete
The Professional Chef - Culinary Institute of America - 6th edition
Professional Baking - Cordon Bleu - Gislein

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Culinaria Germany - ed. Konemann
Vegetable Literacy - Deborah Madison
My Paris Kitchen - David Leibovitz
Sunday Suppers at Lucques - Suzanne Goin
A platter of figs and other recipes - David Tanis
The Heart of the Artichoke - David Tanis
Plenty - Ottolenghi
A Change of Appetite - Diana Henry
The Greens Cookbook - Deborah Madison
The Baking Handbook - Martha Stewart
My Calabria- Rosetta Costantino
Baking for All Occasions - Flo Braker
Bittersweet - Alice Medrich
Tender I - Nigel Slater
Tender II - Nigel Slater (sem a sobrecapa)
Forgotten Skills of Cooking - Darinna Allen (lombada rasgada, interior perfeito)
Vegetarian Cooking for Everyone - Deborah Madison
Good Things to Eat - Lucas Hollweg

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Simply Bill - Bill Granger
Bill's Sidney Food - Bill Granger
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La Tartine Gourmande - Beatrice Peltre
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Sky High - Huntsman / Wynne
Whole Grains for a New Generation - Krissoff
How to be a Domestic Goddess - Nigella Lawson
Feast - Nigella Lawson
Ready for Dessert - David Leibovitz
Baked - Lewis & Poliafito
Sticky, Chewy, Messy, Gooey - O' Connor
Little Paris Kitchen - Rachel Khoo
Little French Kitchen - Rachel Khoo
The Kitchen Diaries - Nigel Slater
Eat - Nigel Slater
Bill's Everyday Asian - Bill Granger
Pão - Senac
Super Natural Everyday - Heidi Swanson
Super Natural Cooking - Heidi Swanson
Milk - The Surprising Story of Milk Through the Ages - Anne Mendelson

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Sweet Life in Paris - David Leibovitz
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All Natural - A Skeptic's Quest to Discover if the Natural Approach do Diet, Childbirth, Healing and the Environment Rea;;y Keep Us Healthy and Happier - Nathanael Johnson
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The Vampire Enciclopedia - Mathew Bunson
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Structural Package Designs  (livro com facas variadas para embalagens - acompanha cd's com pdf's)
How to Fold (livro com facas variadas para folders e papelaria em geral - acompanha cd's com pdf's)
O que é um Artista? - S. Thornton
Meus Vizinhos Italianos - Tim Parks
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Celtic Design - A Beginner's Manual - Aidan Meehan

EQUIPAMENTO DE COZINHA

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Ferro de waffle - R$35,00 (pesado, melhor retirar em mãos)
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2 ramqueins brancos (capacidae para 1xic): R$10,00 + frete

Grão de bico com pimentões e tomates assados, um celular quase perdido, uma vida que é só minha

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Depois de dois meses atordoada com um imprevisto atrás do outro, sem conseguir controlar minha agenda ou seguir com sequer meio planejamento, com idas a hospitais, a dentistas, gripes acachapantes e um sem número de eventos que me deixaram de cabelo em pé, os nervos à flor da pele e um estômago queimando de gastrite nervosa, eu decidi que era hora de simplesmente abrir mão.

Naquela manhã eu disse à mim mesma que eu não me importava mais. Que não me deixaria descontrolar pelos imprevistos da vida, e que deixaria as intempéries virem e irem sem me deixar afetar tanto.

E depois de tudo o que já havia acontecido nos últimos sessenta dias, quando me inclinei para beijar a testa do meu filho na natação e meu celular escorregou da bolsa e mergulhou com um sonoro "BLUMP!" no fundo da piscina, só consegui rir, divertida com o alvoroço das pessoas à minha volta, compadecidas por minha perda e desesperadas em apanhar de volta aquele que costuma ser um enorme pedaço de suas vidas.

Olhando aquele celular embaixo do azul da piscina, borbulhando devagar, surpreendi-me ao sentir alívio. Eu vinha pensando em como era a vida na época em que eu esquecia meu celular desligado o tempo todo – e tomava bronca da família e dos amigos por isso – ou como era quando ele não tinha internet.

Àquela tarde, dirigindo para São Paulo e ouvindo rádio Cultura, uma música de Gabriel Fauré imediatamente me transportou para minha juventude, a época em que eu tocava violino e minha melhor amiga na época, flauta transversal, e tentávamos tocar juntas essa melodia, atrapalhadas, errando o tempo.

E lembrei-me de como eu era, de quem eu era, do que era importante para mim e como aquilo se perdera ao longo do tempo, influenciada pelo que eu julgava se tratar de amadurecimento, mas que na verdade era eu me perdendo no meio das cobranças por uma vida que não era a minha.

Minha única responsabilidade é educar meus filhos para que eles sejam pessoas boas e independentes. E garantir que eles tenham todos os dias um prato de comida à sua frente e um teto sobre suas cabeças. Todo o restante pareciam cobranças por comportamentos que não tinham nada a ver comigo ou com minha visão de mundo. Tudo aquilo que me estressava e fazia meu estômago queimar tinha a ver com o que o mundo esperava de mim e não com o que eu queria de mim mesma.

Eu só preciso ser a artista que eu sou.
Eu só preciso ser a mãe que eu sou.
Eu só preciso ser a pessoa que eu sou.
O tempo é meu.
De ninguém mais.

E aquela música suave retumbando em minha mente. As cobranças são sempre acerca dos resultados. Resultados, resultados... Mas eu sempre fui uma pessoa apaixonada pelos processos. O processo de aprender um instrumento. O processo de aprender um idioma. O processo de transformar uma imagem em uma pintura. O processo de apreender a realidade de um rosto em um desenho. O processo de fazer um pão. A vida lenta envolvida no ofício do artista que pára e observa. A observação de uma paisagem, de folhas ao vento, de músculos contraindo e relaxando no movimento, a observação dos sons à minha volta e da sinfonia que cada ruído individual ajuda a completar.

Eu nunca fui uma pessoa focada em resultado. Quando comento isso com meu marido, ele ri, dizendo que estou atestando o óbvio.

Talvez minha facilidade em girar sobre os calcanhares e mudar de caminho quando bem quero venha disso. E quão difícil é viver numa sociedade voltada para o resultado. Quando você tem que mostrar uma obra pronta que demonstre o resultado do seu estudo, mas não se dá o tempo do estudo porque ele não parece conter a importância do resultado que se pode mostrar. Quando você tem que mostrar através do sucesso dos seus filhos o resultado dos seus esforços de criação, e se sente uma mãe ruim quando seus filhos não têm atestados de que estão em primeiro, de que estão melhores que os outros, de que estão fadados a virar presidente do mundo. Quando sua conta bancária e seu número de seguidores nas redes sociais é seu atestado de uma vida de sucesso, um resultado palpável, mensurável, comparável, e você precisa necessariamente fotografar a si mesmo rindo para ter certeza de que o resultado daquele momento de esforço em se divertir de fato foi diversão.

Todas as vezes que persegui o resultado fui infeliz. Não por não obtê-lo. Mas porque perseguir um resultado é ignorar a fluidez da vida. A vida não é uma série de resultados. Ela é um processo. Estar no processo é estar imerso na vida enquanto ela acontece. Eu não leio livros para terminá-los. Eu gosto de lê-los. Apenas.

Aquela música deliciosa em minha mente me lembrou da época em que eu não me sentia massacrada pelas responsabilidades de gerir o que eu julgava ser uma vida adulta correta e simplesmente me preocupava em estudar violino porque era o que eu amava aprender, descobrir, entender. Eu não queria tocar em uma orquestra. Eu sequer queria tocar para os outros. Era para mim. Era sentir meu cérebro expandir e relaxar toda vez que eu finalmente ENTENDIA aquela melodia. Eu gostava de estudar. Sempre gostei de estudar.

É aquilo que eu mais amo hoje quando estudo desenho e pintura. Quando o tempo pára e eu estou naquela imagem, na resolução daquele problema, completamente mergulhada no processo de compreender como o modo como seguro o lápis afeta a compreensão do peso e da massa daquela figura. Como eu preciso mudar o jeito como enxergo um rosto para poder retratar os pensamentos por trás daqueles olhos. É um processo lento. Exaustivo às vezes. Um caminho de observação e disciplina. Mas que me faz sentir que estou no mundo e que aquele meu tempo está valendo a pena. Estou compreendendo o mundo através daquele desenho. Observando. Sem me preocupar com o resultado do desenho. Se vai ficar bonito ou feio. Certo ou errado. Porque quando me preocupo com o resultado, eu me engesso, eu me preocupo com o certo e o errado, o bonito ou feio, e paro de prestar atenção ao que aquele desenho pede, preocupada em como aquele desenho será julgado.

Se preocupar com o resultado é se preocupar com o que os outros pensam de você. E preocupada com o resultado da criação dos meus filhos, com o resultado dos meus esforços profissionais, com o resultado dos meus esforços em gerir uma agenda complexa e cheia de imprevistos... eu me vi atropelada pelas cobranças. Cobranças que me impediam de relaxar e cuidar da vida que é minha de verdade, cobranças que me impediam de observar com cuidado, cobranças que me impediam de sentar e ler um livro, que me impediam de simplesmente estudar sem me preocupar com quantas obras prontas serão vendidas, cobranças que me faziam enxergar apenas o que eu não estava conseguindo fazer, ao invés de ver tudo o que eu já estava fazendo.

Eu parei de me divertir.

A vida tem que ser divertida. TEM QUE SER. Senão, o que estamos fazendo aqui?

Quando o professor de natação me devolve meu celular encharcado, quase me pego triste em ver que, milagrosamente, ele ainda está funcionando. As pessoas em volta continuam preocupadas com aquele tijolinho de plástico na minha mão. Sorrio, agradeço, enxugo o celular com uma toalha, com preguiça de abri-lo como me recomendam, e enfio o bicho de volta na bolsa.

O celular continuou funcionando enquanto eu comia biscoitos de polvilho e conversava com minha mãe, levantando os olhos às vezes para ver o pimpolho nadando, contente.

No dia seguinte, acordo com a certeza de que terei um dia bom. Passo tempo com minha filha na aula de música da escola, vou tomar um café com as mães da escola sem me preocupar uma eficiência mecânica de quem trabalha em escritório, e dou um pulo no mercado para comprar linguiças para fazê-las assadas com cebolas, pimentões e batatas, aquela receita feita pela terceira ou quarta vez do livro Easy do Bill Granger, um dos que mantive na estante com prazer. O almoço é delicioso e exatamente o que eu queria, acompanhado de suco de maracujá feito na hora. Um almoço de dia de sol, com todos os amarelos e vermelhos vibrando no meu prato.

Basta colocar as linguiças, pimentões fatiados, cunhas finas de cebola, um fio de azeite, sal, pimenta, e um pouco de sementes de erva-doce em uma assadeira e assar em forno médio por 45 minutos ou 1 hora. Tempere com vinagre balsâmico, folhas de manjericão e sirva. Eu costumo colocar batatas em pedaços pequenos, previamente cozidas por uns dez minutos, para cozinhar junto até que dourem. 

Enquanto as crianças cochilam na rede, sovo rapidamente um pão de fermentação natural. Resolvo alguns emails de trabalho. E quando as crianças acordam da soneca, vamos passear de bicicleta. Eles com suas pequeninas, eu com a que peguei emprestada de minha irmã. Delícia andar de bicicleta, isso que eu não fazia desde a infância. O vento no rosto, as crianças apostando corrida e passando voando por sobre as lombadas da rua. Minha mente livre de cobranças e sobre o que eu deveria ou não estar fazendo. Quem gere o meu tempo sou eu.

"Mamãe, quero ir ao parquinho!"

Vamos. Levo um livro. Sento no balanço e de repente me dou conta de que o celular ficou em cima da mesa da sala. Dou de ombros, abro meu livro e leio. Hemingway. Paris é Uma Festa. As crianças sobem e descem pelo escorregador, e pelas escadas de cordas, e fazem castelos de areia, e colecionam pedras e gravetos. Eu leio meu livro, deliciada pela história de uma vida em Paris, numa época calma. De um artista dizendo que escrevia pela manhã e saía para passear à tarde com a esposa. E relatos de caminhadas na montanha, e jantares em bistrôs, e idas às corridas de cavalos, e conversas com outros artistas sobre literatura, e pintura, e escultura, e teatro e o ofício de artista.

Sinto o sol nas minhas costas, esquentando a pele sob a camiseta. Meus dedos dos pés tocam a areia abaixo de mim e se movimentam, empurrando o balanço para frente e para trás, devagar e suavemente. Uma cigarra canta insistente à minha direita. Tão insistente de fato, que mal chega aos meus ouvidos o ruído dos carros na rua ao lado. Sem o celular, não sei que horas são ou há quanto tempo estou ali, a não ser que preste atenção ao tom de amarelo-dourado da luz sobre as páginas do livro ou o modo como as sombras se movimentam e estendem na areia onde as crianças brincam.

A fome indica que é hora de preparar o jantar.

Voltamos para casa e Laura empurra uma cadeira para frente do fogão para me ajudar. Ela mexe o risotto, concentrada, por vinte minutos, enquanto eu pico as vagens e o pimentão amarelo e acrescento caldo ao arroz. Tento ensiná-la a pronunciar o "r" forte do risotto, mas ela ainda tem dificuldade e nos últimos dias tem arrastado seus erres com um forte sotaque do interior que só posso acreditar ter vindo dos amigos e que me diverte horrores.

Enquanto o risotto descansa na panela tampada, deito na rede. Laura pede para ler para ela o seu livrinho de cozinha favorito, aquele de bolos italianos de avós, todo ilustrado. Passo dez minutos lendo em voz alta receitas em italiano, enquanto ela observa a noite caindo, deitada na rede comigo. Thomas está em algum canto passando tempo com o pai que acabou de trabalhar.

Jantamos e as crianças sentam com o pai para ver desenhos japoneses enquanto asso meus pães para o dia seguinte. Elas vão dormir mais tarde que o habitual e capotam sob os lençóis no meio da primeira história que lhes leio.

Abro uma cerveja. Suspiro contente quando deito na rede novamente, sentindo o frescor da noite no rosto e ouvindo o silêncio das aranhas no jardim.

Um dia bom.

Penso num café filosófico que assisti outro dia, sobre a beleza. "Com o que você está alimentando sua mente?", diz ele. Se você só se alimenta de feiúra, você perde a habilidade de ver a beleza sutil da vida. Com o que você está alimentando sua mente? De feiúra do facebook? De idiotices? De música ruim? De cobranças estúpidas?

Apanho meu livro novamente, minha cerveja, meu pedaço de pão quente fresquinho com manteiga. Decidida de me alimentar de beleza em minha vida, decidida a aproveitar os minutos que tenho nessa terra sem me preocupar se acham que sou uma artista assim ou assado, uma mãe desse jeito ou de outro, decidida a enxergar a beleza à minha volta e colecionar em meu peito essas memórias de uma vida boa.

Sinto alívio em ter eliminado o Facebook. Sinto alívio quando esqueço o celular em cima da mesa. Sinto-me feliz ao sentar e ler como lia antes, ao invés de ser sugada para o mundo da internet, da tv, do youtube. Sinto prazer na tentativa de não me cobrar mais por resultados. Prazer em mergulhar tão fundo na observação e no processo, na lentidão da vida de verdade, sem me preocupar se isso vai me trazer mais ou menos dinheiro, mais ou menos sucesso, mais ou menos amigos. Sinto um peso enorme arrancado dos ombros ao ver as coisas vendidas indo embora e meu ambiente ficando mais leve. Sinto-me justamente leve ao preparar novamente, oito anos depois (antes sozinha agora com minha filha me ajudando), aquele mesmo risotto de pimentão amarelo e vagens da Marcellla Hazan, que andava esquecido, soterrado por outros livros.

Fico contente em ver que aqueles "poucos" livros que selecionei para ficarem comigo estão sendo plenamente úteis enfim. Quando tenho grão-de-bico e pimentões para usar no jantar, apanho o livro que ficou do Nigel Slater, que sempre foi meu favorito dele, Notes From the Larder, e faço esses pimentões e tomates assados com grão-de-bico e harissa, deliciosos. Uso de inspiração as verduras e o limão em conserva que ele sugere e preparo uma farofa de couve temperada com suco de limão, deliciosamente amanteigada, e verde, e ácida para contrabalançar a doçura do grão de bico.

Fico feliz em ver a família raspando o prato. Fico feliz em me ver capaz de enfim relaxar e ter dias tranquilos, sem me estressar com minha agenda auto-imposta, sem me destemperar com os imprevistos da vida. Fico feliz em desviar os olhos dos fins para me concentrar nos meios novamente. Em lembrar que eu sou dona do meu tempo e que, estando meus filhos bem, nada mais importa, e eu posso me preocupar em amar minha vida. Fico feliz olhando para um celular debaixo d'água e sabendo que é só um celular, e que talvez perdê-lo ou vislumbrar essa possibilidade fosse a melhor coisa que poderia acontecer.



GRÃO DE BICO COM HARISSA E PIMENTÕES E TOMATES ASSADOS
(livremente adaptado do livro Notes from the Larder, de Nigel Slater)
Rendimento: 4 porções generosas

Ingredientes: 

  • 800g tomates, cortados em seis pedaços
  • 500g pimentões amarelos e vermelhos, cortados em pedaços médios
  • 1/3 xic azeite
  • 3 colh. (sopa) vinagre de vinho tinto (usei de sidra)
  • 1 colh (chá) sementes de cominho
  • 2 latas de 400g grão de bico ou o equivalente em volume de grão de bico cozido em casa
  • 1 colh (chá) harissa (o que eu tenho em casa é em pó – alguns são bem apimentados, então acrescente a gosto)
  • um punhado de manjericão fresco


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Num refratário grande, coloque os tomates, pimentões, vinagre, azeite, cominho, sal e pimenta. Misture e asse por 50 minutos a 1 hora, at´´que os legumes estejam bem macios e comecem a dourar e chamuscar. 
  2. Junte o grão de bico escorrido e a harissa e volte ao forno por mais uns dez ou quinze minutos, até que o grão de bico esteja quente e o caldo borbulhante. 
  3. Junte o manjericão, acerte o tempero e sirva com arroz, pão ou uma farofa de couve com limão.


Para a farofa, basta refogar alho e cebola em azeite, juntar a couve fatiada bem fininha, com sal e pimenta a gosto e refogar até que a couve murche. Junte uma colherada bem generosa de manteiga e a farinha de mandioca e misture até a farinha dourar. Tempere com suco de limão a gosto.








De uma abóbora, de um churrasco

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Uma bruschetta de abóbora feita na grelha. 
Naquele fim de semana de feriado havíamos combinado de relaxar. Marido acenderia mais uma vez a churrasqueira para usarmos o que sobrara de um evento anterior, tomaríamos uma cerveja das nossas, uma Chocolate Stout que dera muito certo, e deixaríamos as crianças brincarem na piscininha de plástico montada no quintal, para aproveitar o que prometiam ser os últimos dias de calor antes de o Outono já bem atrasado emplacar.

Mas o marido, infelizmente, precisou ir a um enterro de um familiar de amigos nossos.

Ele saiu cedo, enquanto eu passeava o cachorro. Laura acelerava no patinete azul pelas ruas, e Thomas parava nos terrenos baldios, colecionando galhos da minha altura como um pequeno caçador buscando fazer uma fogueira para assar um alce inteiro. Seus dedos se esverdeavam com o líquen que esfarelava dos galhos enquanto ele os movimentava, dando vida a cada um deles, seus dragões de combate, com asas imensas, caldas compridas e habilidades as mais variadas.

Voltamos para a casa vazia, sentindo o sol das nove horas já quente sobre os ombros, e tão logo Laura presenteou Gnocchi com um biscoito, Thomas girou sobre os calcanhares e pediu: Vamos ao parquinho!

Fomos. Novamente apanhei meu livro e caminhamos ladeira acima até o parquinho ensolarado, onde outra vez pude chafurdar meus pés na areia sob os balanços e observar a brincadeira silenciosa dos dois enquanto lia sobre aventuras parisienses. Às vezes desviava os olhos das páginas para ver Laura empoleirada no topo de um brinquedo de madeira, testando seus limites. Em outros momentos, largava o livro aberto para empurrá-la no balanço, mais alto, mais alto até ela acreditar que poderia tocar os dedinhos dos pés nos galhos das árvores. Enquanto isso, Thomas continuava mergulhado no mundo dos dragões feitos de galhos que invadem castelos de areia defendidos por pedras que ele colecionara no caminho. Ele erguia a cabeça de seu universo de vez em quando para chamar minha atenção e me fazer assistir a uma batalha épica entre inimigos mortais.

Passou-se uma hora. Ou duas. Ninguém sabe. Eu não tivera notícias do marido, mas acreditava que ele voltaria para o almoço e achei que poderia já deixar tudo preparado.

Voltamos para casa, areia nos pés, nos cabelos, pele quente, como quem volta da praia. Sunguinha e biquini e crianças na piscininha.

Olhei para a churrasqueira. Ela olhou de volta com ares desafiadores. Desde que lera Cooked, do Michael Pollan, em que ele apontava o fato de que churrasco parecia ser universalmente um campo da cozinha relegado aos homens, eu andava com vontade de aprender a pilotar a churrasqueira. Sabe como é. Controladora como sou, não gosto de depender de ninguém, e é da minha natureza gostar de aprender coisas novas.

Allex já me ensinara os macetes uma vez, mas fora aquele meu churrasco supervisionado, eu nunca mais me aventurara realmente sozinha.

Montei uma mesa com algumas castanhas e pepinos fatiados para as crianças, rasguei o saco do carvão e saltei para o precipício.

A churrasqueira foi resistente. Ela parecia não apreciar a configuração de carvão que eu criara e demorou bem uns vinte minutos e umas quatro tentativas para então render-se a minhas mãos femininas e permitir que aquele fogo crepitasse como se deve. Não contive uma pequena dancinha de satsisfação.

Minha dancinha é interrompida por um recado do marido, dizendo que vai ficar por lá dando apoio aos amigos, o que considero apropriado.

Bom...

O fogo está aceso. As crianças estão contentes.

Churrasco de menina, então. ;)

Entrei para apanhar uma cerveja e uma abobrinha em fatias finas e ri de meu reflexo na janela, aquela mulher meio descabelada, de avental florido e pó de carvão tão uniformemente espalhado por meus braços e rosto que eu parecia ter saído de uma mina.

Coloquei as abobrinhas na grelha para testar o fogo. Pois sempre que Allex acende o fogo, é isso que faço: uso as labaredas mais altas para grelhar as abobrinhas, e quando elas estão prontas, o calor está bom para entrarem os primeiros espetos de queijo-coalho.

Alegro-me em ver as fatias verdes ganhando marcas negras no tempo certo, e da grelha elas vão direto para uma tigela com azeite, alho picado, sal, pimenta-do-reino e ervas frescas, para marinarem e absorverem os temperos. Não pretendo servi-las naquele momento. Ao invés disso, elas viram uma conservinha rápida e saborosa que vai direto pra geladeira para compor uma refeição no meio da semana.

Levanto os olhos para ver as crianças correndo em volta da casa com espadas e escudos nas mãos, e levanto a grelha para rearranjar o carvão, criando uma rampa, para ter duas temperaturas distintas. Na parte mais quente, coloco alguns espetinhos de queijo. Na parte mais morna, coloco fatias de abóbora, de mais ou menos 2cm de espessura, para cozinharem lentamente até ficarem negras por fora e desmanchando por dentro.

De repente percebo que as crianças se cansaram do maiô molhado e vejo dois bumbuns branquinhos em contraste com o verde das plantas, enquanto eles quebram galhos do meu pé de manjericão morto para fazerem armadilhas para os dragões de pelúcia. Eventualmente vejo suas mãos de soslaio, roubando as castanhas e os cubinhos de queijo quente e dourado da tábua. Então somem novamente para suas brincadeiras, encenando Chapeuzinho Vermelho, Laura deitada na rede usando meu chapéu de sol e sendo a vovó que vira o lobo, Thomas alternando entre a voz aguda da Chapeuzinho assustada e o tom grave do caçador, de espingarda de plástico e escudo do Capitão América.

Coloco fatias de pão de fermentação natural para esquentarem sobre o fogo, enquanto fatio um tomate. O pães tostam mais do que devem, num momento distraído em que tive de ajudar a pimpolha no banheiro, e então tenho que raspar a parte queimada com a faca antes de esfregar-lhe um dente de alho cortado e cobri-lo com tomate, sal e azeite.

Mesmo queimadinhas, as bruschette desaparecem dos pratos tão logo as coloco na mesa.

E agora é a hora da verdade.

Volto à cozinha para apanhar a linguiça.

Coloco a mão espalmada bem perto da grelha para sentir sua temperatura como faço com a frigideira no fogo. Espeto as linguiças de forma inegavelmente desajeitada, fazendo com que uma delas se rompa. Torço pelo melhor e coloco o espeto na grelha quente.

Sento um pouco no banco ao lado da mesa para roubar o último pedaço de queijo e bebericar minha cerveja. Gnocchi está deitado ao lado dos tijolos quentes da churrasqueira, preguiçosamente esparramado. As crianças tentam acertar as teias das aranhas com folhas, na tentativa de fazê-las grudar. Branquelinhas, de cabelos dourados herdados da parte alemã da família, elas são quase iridescentes sob o sol forte. Observo seus movimentos com calma, o vento fresco balançando as plantas devagar, e fico ouvindo o canto variado do sabiá do campo no telhado do vizinho e o estalar da gordura pingando sobre a brasa quente.

Volto às linguiças, preocupada com o fato de que elas parecem ter ficado prontas mais rápido do que o que levam quando preparadas por outra pessoa. Mas quando abro uma para testar, vejo que estão bem douradas por fora e cozidas por dentro, mas ainda suculentas, não ressecadas. Presenteio o cão com uma pontinha delas e chamo as crianças para comer.

Quando os pimpolhos, enfim vestidos e cansados, se recolhem voluntariamente para um cochilo, Thomas na rede, Laura no sofá, eu volto à churrasqueira com uma última fatia de pão, um pedaço de parmesão e uma latinha de azeite de oliva francês aromatizado com pimenta, presente de minha irmã.

Esquento o pão desta vez com cuidado, apenas para que doure, e nele esfrego um dente de alho, com cuidado para não queimar as pontas dos dedos. Apanho um ramo de sálvia do jardim e repouso sobre a grelha por meio minutinho, só para que o calor chamusque as pontas das folhas e libere seus óleos essenciais. Então pico as folhas. Apanho algumas fatias de abóbora, um purê de um laranja vivo apenas contido em sua forma por uma película enegrecida, e coloco sobre os crostini, onde elas são esmagadas com um garfo sem nenhuma resistência. Sal. Pimenta-do-reino. A sálvia perfumadíssima picada. Raspas delicadas de parmesão. O azeite picante.

Sento-me com os pés apoiados numa cadeirinha verde limão que Thomas trouxera de seu quarto, abro meu livro e dou uma mordida farta na minha bruschetta de abóbora, sentindo a força da sálvia e do azeite apimentado no nariz, a maciez quente e adocicada da abóbora no céu da boca e o pão crocante quebrando sob os dentes com um som alto que poderia espantar os passarinhos. Sinto um alívio imenso por nenhum vizinho ter ligado música naquela tarde e ouço as nuvens se desmanchando sob o vento.

Quando Allex retorna, as crianças ainda estão dormindo, exaustas. Ele vem sentar comigo no quintal sentindo o calor residual da cinzas na churrasqueira e do sol que começa a perder sua força. Há brinquedos e galhos e folhas, e maiôs coloridos e toalhas por toda a parte, testemunhos de um dia bom. Allex ri da minha empreitada, dando algumas dicas para o fogo acender mais rápido da próxima vez, e brincando que agora que eu faço churrasco ele não tem mais nenhuma função na casa. ;)

Eu lhe conto, empolgada, sobre tudo o que as crianças aprontaram e sobre meus planos de usar minhas novas habilidades para produzir um churrasco alla toscana, com outros cortes de carne, muitos legumes e um molho diferente do nosso vinagrete de sempre.

Na noite do dia seguinte, os espólios de meu churrasco de menina, abóbora assada e um pedaço de linguiça que não fora para o fogo, unem-se a tomates e cebolas e fusilli para um prato de pasta con la zucca, de Tessa Kiros, simples de preparo e complexo de gosto, salgado-adocicado, delicioso, reconfortante, devorado sem pressa. As crianças põem a mesa, servem-se de macarrão e queijo, divertem-se em identificar cada componente no prato e de caçar a "carninha" escondida no molho. "Achei mais uma!", dizem.

Tudo vai bem.

Porque faz tempo que não tem uma foto dos pimpolhos no blog. :)

PASTA CON LA ZUCCA
(Do maravilhoso Twelve, de Tessa Kiros)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 3colh.(sopa) azeite
  • 1 cebola média, picada
  • 1 linguiça de cerca de 80g, sem a pele e esmigalhada, ou 80g de pancetta não defumada, picada
  • 300g abóbora, descascada em cubinhos de no máximo 2cm
  • 400g tomate pelado transformado em purê (fresco ou em lata)
  • pimenta calabresa seca à gosto
  • 500g massa curta como penne ou fusilli
  • parmesão ralado na hora para servir


Preparo:

  1. Aqueça o azeite em uma panela e refogue a cebola com uma pitada de sal até que amacie. 
  2. Junte a linguiça ou a pancetta em fogo médio e refogue até que tenha dourado ligeiramente.
  3. Acrescente a abóbora, misturando bem, deixando que ela pegue os temperos. 
  4. Então junte o purê de tomate, a pimenta calabresa, uma pitada de sal e pimenta-do-reino e 750ml (3xic) de água. Leve à fervura branda, abaixe o fogo e deixe apurar por 30-40 minutos, juntando mais água de tiver engrossado demais antes do tempo. Uma boa dica é pegar essa água da panela do macarrão que cozinha, para que o amido dessa água ajude a encorpar o molho.
  5. Enquanto isso, cozinhe o macarrão. O molho não deve ficar muito líquido, e boa parte da abóbora deve ter se desmanchado dentro dele. Misture-o ao macarrão cozido e escorrido com mais um fio de azeite, e sirva com parmesão por cima.  


A rainha dos bolinhos

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Esses, de arroz vermelho e cenouras assadas com ervilha. 
Quando o tablete de manteiga bate os sete reais e o quilo das nozes vai para os cento e setenta, chega a hora de repensar sua despensa. Decreto a fase natureba-Bela-Gil-farinha-de-espelta-tâmaras-Medjool-lentilha-vermelha-importada morta e enterrada.

Não dá mais.

Dinheiro não nasce em árvore e a cada semana eu tomo mais um susto no supermercado.

Foi preciso, com dor no coração, repensar as prioridades e voltar ao bom e velho arroz e feijão convencional, comprado em grandes sacas a preços mais em conta, para poder continuar alimentando meus pimpolhos com verduras e ovos orgânicos e carnes de qualidade.

Se já tinha simplificado meu guarda-roupa, meu escritório e minha biblioteca – não digo "a vida" porque esse é um processo looooooooooooongo se não eterno – agora é hora de simplificar a despensa. Como quase todos os meus livros têm a mesma influência mediterrânea, realmente não faz mais sentido ter à mão aquela miríade de farinhas especiais e grãos exóticos.

Confesso, também, que comi tanta quinoa no ano passado que enjoei.

Olhei com ansiedade para as prateleiras, fantasiando com a possibilidade de ter menos ingredientes ali. Arroz agulhinha, arroz arbóreo, algum feijão ou lentilha (um só, pra que mais, se sempre tenho variedades das outras levas congeladas?), spaghetti, fusilli (que há já muito tempo me dei conta de que são os dois formatos mais versáteis para se ter, porque tagliatelli faz-se em casa), e quem sabe uma polenta. As farinhas, de trigo branca e integral, centeio e sarraceno que eu amo e essas sim uso muito. Açúcares, cacau, amido. E parece que com isso faço tudo.

O restante, ali, ocupando espaço e me irritando toda vez que me lembro das datas de vencimento e do iminente aparecimento dos carunchos, precisava ser utilizado. E já brincou meu marido: Ana Elisa adora uma missão. Eu sou aquela pessoa que está tranquila procurando o lugar para pagar o estacionamento, e então, ao encontrar o guichê, sai em desabalada carreira como se o chão estivesse pegando fogo. Estou em uma missão, dá licença, faz favor.

E a missão é: usar todos os ingredientes exóticos da despensa o quanto antes para não deixar estragar e não cair na tentação de estocar mais daquilo outra vez.

Mas tem sido difícil, admito, pois sinto que meu paladar se revoltou contra mim e anda rejeitando pães de teff e panquecas de amaranto. Quero spezzatino, e pasta e fagioli, e filé de peixe com escarola e azeitonas. Quero um bom bolo de iogurte que meus filhos possam fazer comigo, quero biscoitos de chocolate que eles rolem em bolinhas nas mãos antes de colocar na assadeira e um bom pão com manteiga para acompanhar meu café.

Todos esses anos foram um delicioso aprendizado, mas agora anseio por aquela minha despensa do primeiro ano do blog. Precisei passar todo esse tempo complicando para valorizar aquela simplicidade. Achava besta, naquela época, cozinhar vagens e temperá-las com azeite e parmesão. Que chatice. Hoje as crianças e eu devoramos um prato de vagens com azeite e parmesão e vejo quanto tempo demorei para aprender a escolher as vagens certas, jovens e macias, e a cozinhá-las pelo tempo certo, sem que ficassem duras demais ou moles demais, e, enfim, aprendi a temperar corretamente, sem economizar no azeite e sem exagerar no parmesão.

Claro, o fato de as crianças hoje comerem as vagens assim inteiras, sem que eu precise camuflá-las em pedaços menores dentro de uma frittata, ajuda e muito.

Vejo quantos livros precisei ler e quantas receitas diferentes precisei cozinhar até olhar para minha geladeira aparentemente desconexa e enxergar ali um prato completo, sem mais precisar apanhar livro nenhum. Como transformar uma travessa de arroz e uma panela de feijão em quinze diferentes opções para o jantar. Num dia, arroz e feijão comum, no dia seguinte, stir-fried rice com legumes, depois, pasta e fagioli. E quando sobra uma colherada de arroz, nem uma conchinha de feijão e meia dúzia de talos de brócolis, transforma-se tudo em bolinho.

Eu virei a rainha dos bolinhos. Principalmente agora, com as quantidades pouco precisas dos ingredientes exóticos na despensa. Não tem painço o bastante para fazer uma travessa para quatro pessoas, mas se eu misturar a outros três ingredientes sem par, há bolinhos o bastante para alimentar quatro bocas, acompanhados de uma salada. (Mas se você tiver painço o bastante e mais um punhado de ingredientes exóticos, recomendo muito ISSO AQUI, que não parece grande coisa mas é delicioso e perfeito para esse friozinho.)

Lembro-me de rir comigo mesma da quantidade de bolinhos e panquequinhas que Bill Granger tinha em seus livros. Hoje entendo e aprecio sua versatilidade. Mas já não preciso mais dos livros para prepará-los. Principalmente porque a graça dos bolinhos não é cozinhar coisas do zero, já que você ainda terá de fritá-los ou assá-los, mas justamente usar algo que já está ali abandonado na geladeira, e a produção dos mesmos alimenta e evita o desperdício. Além das crianças comerem bem alguma coisa que eles possam não ter gostado na refeição anterior. ;)

Amo bolinhos. ^_^

E amo o modo como você finalmente os entende. Você bate tudo no processador. Nunca até virar uma pasta. Sempre deixando alguma textura interessante. Se faltou liga, pode colocar ovo, linhaça, chia, ou qualquer raiz ou tubérculo cozido, seja batata, batata-doce, mandioca, mandioquinha, inhame, cará, o que for. Se está muito mole, farinha, farinha de rosca, pão amanhecido, mais grãos, mesmo que misturados a outros (já fiz bolinho de arroz e feijão, que fica uma delícia)... Faltou sabor, é só bater junto mais ervas, mais alho e cebola, um pouco de queijo, curry, pimenta... Dá para mudar completamente o perfil de sabor de um prato ao transformá-lo num bolinho.

Um tempo na geladeira é sempre bom para a massa firmar mais e o sabor se acentuar. Dá pra fazer a massa numa hora, tempos depois porcionar e empanar, e só no fim do dia ou no dia seguinte de fato cozinhá-los. Já falei que amo bolinhos? ;)

Se a massa ficou bem úmida e molinha, frita-se às colheradas num fio de azeite, e nesse caso costumo acrescentar um pouquinho de fermento para que fiquem mais fofinhos. Se ficou firme o bastante para fazer bolinhas, pode-se empanar em farinha de rosca, fubá, ou farinha de mandioca, e fritar em imersão ou mesmo assar. Ou apenas fazer as bolinhas e assá-las como são. Pode-se fazer em formato de quibe, em formato de croquette, e assim ir variando a apresentação para a pimpolhada.

O importante de verdade, seja fritando num fio de azeite, num fundo de óleo ou em imersão mesmo, é que o óleo esteja na temperatura certa (o truque de colocar o fósforo no óleo e esperar ele acender sozinho funciona sempre). Se o óleo estiver frio, os bolinhos podem se desmanchar e você vai estragar a comida que não queria jogar no lixo e o óleo, tudo ao mesmo tempo. :P

Aqui em casa parece que nunca consigo repetir um bolinho, e pelo menos uma vez por semana, as crianças almoçam bolinhos e salada. Num dia sirvo com vinagrete de tomate, no outro, salsa verde ou pesto; no ápice da preguiça, simplesmente ketchup e maionese, mas meu favorito de todos é o molhinho de tahini e iogurte. Só misturar iogurte com uma colherinha de tahini, azeite, limão, sal e pimenta-do-reino. Fica especialmente bom com bolinhos que são empanados e fritos, como os da foto.

Esses, foram feitos com o que sobrara do almoço do dia anterior: arroz vermelho cozido, e cenouras assadas com ervilhas e hortelã. Bastou misturar um ovo para dar liga, acertar o tempero e pronto. Empanei na farinha de rosca e foram fritos em uns 2cm de óleo.

Maravilha das maravilhas, esse salvadores de tempo, comida e dinheiro que são os bolinhos. Mas e se os sobram justamente os bolinhos???? Aí eu faço o que sempre gostei de fazer desde criancinha, quando minha mãe fazia bolinhos de arroz e espinafre... Surrupio e como sozinha os bolinhos direto da geladeira num momento de paz para curtir o espólio delicioso de tanta economia doméstica. ^_^


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Hoje não tem receita, mas tão somente esse post "sugestão" do que fazer com aqueles seus três potes de comida desconexa que estão prestes a ir pro lixo. ;)

Meditando, fazendo menos, fazendo mais. Mais bolo.

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Sexta-feira é dia de fazer bolos.

Depois do almoço, antes mesmo de lavar a louça, ligo o forno, separo os ingredientes da receita escolhida pela manhã e as crianças põem-se a quebrar ovos. E mamãe depois põe-se a catar casquinhas de ovos da massa.

Às vezes é apenas Laura que participa. Às vezes Thomas também. Depende dos planos deles, que eu também não quero forçar ninguém. Mas Laura mesma já fez um bolo de iogurte tantas vezes, misturando tudo sozinha com a colher de pau, que na minha mente esse já é oficialmente o "Bolo da Laura".

Enquanto o bolo assa, eles lambem a tigela e eu arrumo a bagunça toda. E depois arrumo as crianças, com massa de bolo nos cotovelos e no topo das cabeças.

Experimentamos do bolo fresquinho assim que esfria, na hora do lanche da tarde, e eis que há bolo para o lanche da escola na semana seguinte. A não ser que haja biscoitos. Biscoitos andam ganhando do bolo, principalmente esses de gengibre...

E na última sexta-feira o bolo foi de coco. Uma receita deliciosa de Dorie Greenspan que eu nunca preparara, apesar de ter tido esse livro comigo por todos esses anos. O bolo é úmido, macio, de textura compacta, muito perfumado, do tipo que eu como inteirinho sem deixar pra ninguém. A receita original é feita em uma forma de Bundt Cake, e o bolo sai lindo e decorado. Mas eu não tenho mais um forma Bundt. Porque me dei conta de que todas as receitas que haviam sobrado nos livros que ficaram comigo podiam ser feitas na boa e velha (bota velha nisso) forma de bolo com furo que eu surrupiara de minha mãe, e onde ela assara todos os meus bolos de cenoura de infância. Ela é grande, com o teflon gasto e meio amassadinha de cair no chão, mas é ótima e comporta todo tamanho de bolo, inclusive Angel Food Cakes de 9 claras, porque suas paredes são retinhas e não inclinadas.

E no meu processo de simplificação (de novo, porque ele vai e volta, como dá pra ver se você lê o blog todo), coloquei à venda todas as formas de que eu não precisava mais. Porque meus filhos querem um bolo gostoso e não ligam para os desenhos lindos das formas especiais. E hoje em dia, confesso, eu também não.

Ando não ligando mais para muita coisa que costumava me atormentar. E devo isso a meu marido lindo que me lembrou há uns meses atrás que eu deveria voltar a meditar. E assim voltei. Não digo todo dia, porque nada é perfeito. Mas se dia sim, dia não, o efeito já tem sido fantástico. De tal modo que já não me lembro mais do por quê de ter parado um dia.

E num dia, depois de meditar, olhei à minha volta e me veio uma constatação importante. Besta, óbvia, mas importante. Que era importante simplificar. Que era importante me livrar das tralhas. Mas que se minha mente continuasse focando apenas nas tralhas, então eu continuava com a mente apenas nas coisas. E as coisas eram sintomas e não causas. E que mais importante ainda do que simplificar as coisas, era simplificar a cabeça.

Meditar ajuda um bocado a simplificar a cabeça. Porque faz com que você enxergue a vida com mais nitidez. E aquilo que parecia desordenado e caótico de repente se alinha e você consegue discernir o que é importante do que não é, o que é necessário do que é dispensável, o que é evitável do que precisa ser enfrentado.

E percebi que o mais complica nossa vida é a ansiedade. Não é à toa que metade do mundo moderno anda por aí dopado de ansiolíticos. E ao invés de tomar uma segunda taça de vinho à noite para aplacar a ansiedade do meu dia, resolvi reavaliar minha rotina e definir o que diabos me deixava tão ansiosa. Tão ansiosa que eu dormia mal, tão ansiosa que eu não conseguia curtir o tempo com meus filhos, tão ansiosa que eu me sentia improdutiva, inadequada, inquieta, insegura, insatisfeita. O que me trazia tanta palpitação, tanto medo, tanto descontrole que não me permitia aproveitar minha vida.

Começou pequenininho.

Começou pelo celular. Porque vi como meu dia correu tranquilo quando o Whatsapp teve aquela pane de 24 horas. Por um dia inteiro eu não corri para catar o celular toda vez que ele pirlimpimpava do meu lado. Por um dia inteiro não me senti constantemente interrompida.

E foi assim que eu desliguei para sempre todos os avisos visuais e sonoros do Whatsapp, que agora só averiguo quando lembro que ele existe. E o celular passa o dia na bolsa, e não na minha mão.

Outra do celular foi desligar o Pinterest, que agora só existe no computador. Porque a sensação de não ter um tempo quieto para mim, para ler e desenhar, era acachapante. E foi assim que voltei a carregar na bolsa o mesmo Kit Tédio que eu carregava comigo antes de os celulares virarem essa ferramenta de controle nosso e dos outros: um bom livro e meu sketchbook. E daí que quaisquer três minutos livres e estou terminando de ler um capítulo ou rabiscando um transeunte desavisado. E o tempo passa mais rápido, e é mais divertido e mais relaxante do que ficar zapeando o telefone. E é tempo meu. Tempo bom e produtivo.

Rapidamente me vi desligando quase todos os aplicativos existentes no celular que tilintavam, interrompiam, controlavam.

Colocar à venda meu Mac (pois fazendo tudo em tinta eu só o usava para pegar emails) causou outra mudança. O PC que era só do marido veio para meu atelier e agora é dos dois. Pode ser a tela, pode ser o teclado, mas não me sinto menos impelida a passar minhas manhãs fuçando na internet.

E a internet, com a vida dos outros que não é a sua, com a próxima grande novidade de ontem para a qual você já está atrasada, e a impressão de que tudo corre e tudo muda numa velocidade que você, maratonista equilibrando pratos não consegue acompanhar, causa uma ansiedade brutal.

Entro na internet para ver alguma coisa específica. Ler o post de um blog que me inspira a ir cada vez mais devagar. Pegar uma receita. Responder email de um cliente. E eu desligo e vou fazer outra coisa.

E estar mais desconectada tem me feito resgatar a sensação de que a vida é minha. Não é de ninguém mais para olhar nem para viver. E consigo olhar para ela com olhares mais atentos e lentos e interessados no que é só meu e não dos outros. E definir o que eu quero de verdade e não o que eu achava que eu queria porque meu ambiente me empurrava a querer, ou porque meus filhos precisam se encaixar na turma, ou porque alguém pode ter a ideia errada a meu respeito.

Fui cortando da minha rotina todas as as variáveis que me deixavam ansiosa, e mudando aquilo que eu podia mudar. O exemplo mais besta foi ter alterado o horário da natação das crianças. Conversei com os dois e agora eles nadam juntos, e não um em cada horário. Eu tenho 40 minutinhos para tomar um café e ler meu livro e depois temos tempo de sobra para ir ao parquinho e fazer nosso piquenique em algum canto quieto do clube. Laura faz questão de levar várias coisinhas diferentes para o piquenique, pois segundo ela, se tem uma coisa só não é piquenique, é lanche. E mesmo quando tempos compromisso no fim da tarde não é mais correria, sensação de estarmos constantemente atrasados.

Passei todos esses anos ansiosa acreditando que eu deveria fazer mais e mais e mais, inclusive trabalhar mais. Porque a vida é assim, porque as mulheres são assim, e ser mulher é fazer tudo ao mesmo tempo.

Pois um dia me dei conta de que ninguém no leito de morte se arrepende de ter trabalhado pouco, ou de ter passado tempo demais com os amigos. Cada dia meu passa e eu me pergunto se ele foi bom. E meu dia é bom de muitas outras formas que não são apenas trabalhando. Desde que eu esteja mergulhada em cada momento. Sem distrações. Sem pensar onde não estou. No que eu deveria estar fazendo. Ou no que eu acho que eu deveria estar fazendo.

E por isso estou me aposentando dessa tarefa ingrata de equilibrar pratos e correr maratonas, como o mundo faz acreditar que toda (boa) mulher deve ser. E estou escolhendo fazer menos. Muito menos. Para viver mais. Para andar mais de bicicleta e ir mais ao parquinho, para pintar no quintal com guache de criança que não é lavável coisa nenhuma, e colecionar pedras durante o passeio do cachorro, e jogar dominó no tapete da sala, e ouvir música no café da manhã e fazer bolos na sexta-feira depois do almoço.

A vida corre tranquila quando a mente não se distrai do que estamos fazendo. Mesmo que a atividade em questão seja apenas dirigir para a natação. Ou varrer o quintal. Ou começar uma aquarela nova. Ou contar uma história na hora de dormir.
Cansei de pensar no que vem depois ou no que poderia estar sendo enquanto não é. Cansei do resultado. Quero apenas o processo, pois ele é muito mais longo do que o resultado. E quando a cabeça não está no resultado, as falhas são menos duras. E a gente não se estressa tanto quando chega atrasado, e não fica fulo quando queima a geleia de maçã no fogão, quando o bolo gruda, quando tem reunião da escola em dia que você tinha se planejado a trabalhar,  quando simplesmente não deu tempo de terminar aquela pintura hoje.

E ao invés das palpitações e dos medos, na minha mente encontro o silêncio.

E quando paro para pensar no que eu quero, lembro das respostas que eu tinha antes: quero uma casa assim e assado, quero viajar muito, quero expor meus quadros em tal lugar, quero X reconhecimento no meu trabalho, quero um vestido desse jeito, quero uma cozinha daquele modo.

Então chacoalho a cabeça como um risque-rabisque para desfazer esses desenhos antigos. E no meio do caos e da desordem, tudo se alinha. E o que eu consigo enxergar com nitidez é que eu quero uma vida tranquila. E só.

BOLO DE COCO
(Do sempre maravilhoso Baking FRom My Home do Yours, de Dorie Greenspan)

Ingredientes:
  • 2 xic.  farinha
  • 1 colh. (chá) fermento
  • 1 pitada de sal
  • 1 xic. leite de coco (usei caseiro - se tiver separado, mexa bem antes de medir)
  • 4 colh. (sopa) manteiga sem sal (uns 60g)
  • 4 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 2 xic. açúcar
  • 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 2 colh (chá) rum (opcional)
  • 3]4 xic. coco ralado (não adoçado, adoçado, tostado, tanto faz - usei não adoçado)

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Unte a forma de furo no meio ou Bundt com manteiga.
  2. Peneire a farinha, fermento e sal numa tigela e reserve.
  3. Numa panela, aqueça o leite de coco e a mateiga até que a manteiga derreta e reserve para usar ainda morno.
  4. Na batedeira, bata os ovos inteiros e o açúcar até que fique claro, fofo e tenha dobrado de volume.
  5. Junte e baunilha e o rum. 
  6. Reduza a velocidade e incorpore a mistura de farinha, apenas até que a farinha desapareça.
  7. Ainda em velocidade baixa, junte o coco ralado e por último o leite de coco e manteiga mornos, num fio constante. 
  8. Quando a mistura estiver homogênea, derrame na forma e leve ao forno por 1hora ou até que esteja dourado e um palito inserido no meio saia limpo. Deixe esfriar por dez minutos antes de tentar desenformar. 

TV quebrada e soufflé de chocolate

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Foto tirada às pressas antes de o soufflé desinflar...
A cabeça anda fervilhando como nunca e tem sido difícil sentar em frente ao computador por tempo bastante para organizar todos os pensamentos. (Acho que há meses começo posts assim.)

As férias escolares foram maravilhosas. Jamais pensei que diria isso, mas sem uma viagem sequer, foram de fato maravilhosas.

Todos tiraram férias juntos: crianças, mamãe e papai, e juntos gozamos da total e completa ausência de compromissos e horários, podendo aproveitar ao máximo o silêncio das manhãs, o sol da tarde, o vento à noite, a grama nos pés, os abraços, os cafunés, as brincadeiras no quintal, as leituras na rede, o fogo crepitando na lareira, as sonecas ocasionais sem hora para acabar.

Foram dias de almoços sem pressa, de explorar trilhas, de aprender a escalar barrancos íngremes, subir em árvores, dias de parquinho, de se pendurar de ponta cabeça, de se escalavrar no asfalto em quedas de bicicleta, de sentar no tapete da sala para ler O Hobbit.

A televisão quebrou no primeiro dia de férias. E o que pareceu um castigo celeste a todos aqueles a quem contei o evento ("Como você vai fazer com as crianças, as férias inteiras sem tv???") revelou-se providencial e transformador.

As crianças aceitaram muito rapidamente a ausência da tv. E entendi que os verdadeiros dependentes necessitados de desintoxicação eram os adultos. Dei-me conta do quanto me apoiava na televisão, Santo Netflix da Paz Duradoura, nos momentos em que julgava que a presença das crianças pudesse ser um estorvo. "Como você vai fazer o jantar com eles correndo em volta?", perguntavam minhas caraminholas. E ficou claro que o único estorvo era a ansiedade que eu cultivava ao ficar presumindo possibilidades de incômodo. Na hora de preparar o jantar, eles sentavam-se à mesa para observar e muitas vezes ajudar. Picavam legumes, rasgavam alfaces, quebravam ovos, mexiam panelas, apanhavam na geladeira os ingredientes que eu requisitava, colocavam os pratos à mesa, os talheres sobre o guardanapo dobrado. Seu interesse era encantador, e enquanto eu não pretendesse ter pressa em terminar o processo, tudo fluía divertidamente como um comercial da tv quebrada. Em outras ocasiões, eu me via cozinhando em silêncio ou conversava com meu marido e as crianças permaneciam desaparecidas em algum canto da casa, imersas em suas brincadeiras e completamente alheias à nossa presença e o que quer que estivéssemos fazendo.

Não havia estorvo nenhum e rapidamente a ansiedade foi substituída por calma e a certeza de que meus filhos não precisavam ser "distraídos" da minha rotina, mas sim, precisavam participar dela.

Essa calma foi como uma chuva lenta de fim de tarde lavando a sujeira das janelas, e aos poucos meus olhos pareceram começar a enxergar os eventos como eles eram de fato, sem os velhos padrões maculando meu julgamento. Comecei a observar. E ao observar mais, passei a reagir menos.

Num fim de tarde, nos jardins do clube, após nosso piquenique, as crianças chapiscavam os dedos numa pequena fonte de água cristalina com pedras lisas ao fundo. Alguns passantes lançavam olhares de reprovação para aquela interação com o patrimônio do clube, mas eu apenas olhava em silêncio, lembrando-me de como também eu na mesma idade adorava brincar com fontes, e pensando na falta que faz um riacho. Como seria se houvesse um trecho de mato com um riacho limpo, um córrego que fosse, que eles pudessem explorar, enfiar os pés, cutucar as pedras, acariciar o limo, entender a água, fazer experiências e usar toda aquela curiosidade para desenvolver o potencial de seu espírito. Pensei nos parques públicos. Pensei nos lagos sujos. Deixei que enfiassem as mãos na água limpa da fonte até alcançar as pedras do fundo, pois aquele era seu riacho, o riacho de quem vive na cidade.

Naquele instante em que eu parabenizava a mim mesma por ser uma mãe legal (porque a gente sempre faz isso), os dois se viraram para o jardim, apanharam algumas folhas secas e retorcidas e jogaram na fonte. Meu corpo todo retesou-se e ergui um dedo acusador em sua direção, mas por algum motivo minha boca permaneceu aberta, as palavras duras de repreensão flutuando entre a língua e a garganta, sem soarem moralismos, vergonhas, lições de bom comportamento. E por um segundo, um micro segundo, observei. E naquele micro segundo meus filhos abriram sorrisos largos e ergueram seus olhos grandes e incandescentes de alegria para mim, e disseram: "Olha, mamãe! São barcos!!" E aqueles barcos carregaram sementes que eram bichos e flores que eram pessoas, através de um oceano vasto e cheio de perigos, enfrentando ondas e dragões marinhos, naquele espelho d´água de noventa centímetros, o grande oceano da cidade grande, o portal mágico para um mundo fantástico que poderia ter se arruinado e fechado para sempre ao mero soar de um retumbante "NÃO!".

Meu corpo relaxou, recolhi meu dedo, engoli meu julgamento e minha boca aberta sorriu, enquanto acompanhava a brincadeira. Houve mais olhares reprovadores em volta, mas não me importei. Quando outro elemento aleatório atraiu seu interesse, suas mãozinhas recolheram as folhas molhadas e as devolveram ao jardim sem que eu precisasse dizer nada, e enquanto corriam para longe, observei o oceano infinito retornado ao seu estado original de fontezinha de jardim, sem qualquer prejuízo ao patrimônio e, principalmente, sem nenhum prejuízo à imaginação das crianças.

Depois desse episódio, comecei a prestar mais atenção. A quebra da tv, que nos desintoxicou do hábito de ficar assistindo a bobagens no YouTube à noite, me jogou de volta aos livros com tamanha força que hoje me orgulho em ter novamente o mesmo ritmo de leitura de dez anos atrás, quando celulares só faziam ligações telefônicas, e uma hora de internet ligada custava uma fortuna. "Aqui e Agora! Atenção!", dizem os pássaros do Aldous Huxley, no excelente livro A Ilha. E é com atenção no Aqui e no Agora que você permanece, às vezes naturalmente, outras vezes, com algum esforço, quando tenta acompanhar as crianças com a mente despida dos antigos padrões e diretrizes que normalmente criam essa verborragia de NÃOs e PAREs.

Ao parar de presumir que as crianças sujarão a fonte, quebrarão os copos, matarão as joaninhas, cairão das cadeiras, cortarão os cabelos das bonecas, ao interromper essa torrente de preocupações e julgamentos, muitas das quais foram incutidas sem razão em nossas mentes por toda uma vida, podemos quebrar o hábito do NÃO irracional, o NÃO e o PARE cuspido sem dar chances à experiência, e de repente damos oportunidade às crianças de navegar barcos, de criar música com uma colher e dois copos com água, de sentir uma joaninha lhes fazer cócegas ao subir por seu braço, de ter a autonomia de pegar uma banana sobre a mesa ficando em pé na cadeira, de aprender a recortar formas sem nome em papéis e explorar a resistência de materiais (inclusive os cabelos da boneca), e colar tudo de volta para criar algo completamente novo. Sua alegria, sua curiosidade, seu olhar refrescante sobre aquilo que para nós é já maçante, torna-se nossa alegria e nossa curiosidade, e rejuvenesce nossa relação com o mundo.

Meu NÃO ficou mais ocasional e ganhou força por conta disso. Minha disciplina tornou-se uma educação mais tranquila e amorosa. Aos poucos tento deixar para trás alguns moldes que me engessavam e engessavam meu relacionamento com meus filhos. Tirei-os da natação depois de uma conversa em que me dei conta de que eles ansiavam pela piscina livre do clube, para brincar, e não queriam mais um adulto lhes dizendo como se mexer na água. Eles já sabem o que fazer se forem jogados dentro d´água, e por enquanto isso basta. Sem ir tanto a São Paulo, agora suas tardes são longas e seu tempo é vasto, e depois da escola não há mais pressa para almoçar nem horário para sair do parquinho.

E no parquinho, enquanto eles brincam na areia, cutucam flores e escalam a rampa do escorregador, eu leio, sem pressa. Mais um livro que me esperou por anos na estante, esperou que eu perdesse o interesse pela internet, pelo celular, pela expectativa dos outros, pela norma imposta de fora. E num dia de parquinho, já passando das cinco, pensei naquele conceito que ouço repetido à exaustão, de que para quem tem filhos o fim de tarde é o pior, pois estamos exaustos e as crianças começam a fazer birra. Conheço isso por experiência, pois foi o que vivi nos últimos cinco anos. Mas não nos últimos meses. Eram cinco e meia e as crianças brincavam, e eu lia meu livro, e havíamos feito uma infinidade de coisas àquela tarde depois da escola, e ainda assim sentia em minha veias uma energia vibrante que me propelia a voltar para casa e fazer o jantar, e ler para as crianças, e brincar mais um pouco e, ao invés de cair moribunda no sofá depois de eles dormirem, continuar produzindo, pintando, conversando, lendo mais. Está claro para mim que a exaustão que senti nos últimos cinco anos partiu de mim mesma e do modo com tentei controlar as coisas à minha volta. Do modo como deixei meus velhos padrões impulsionarem minhas ações e reações sem de fato me permitir estar presente e atenta. Sem me permitir desfrutar de fato da companhia de meus filhos e de tudo o que eles têm a oferecer. Até então eu estava "criando" meus filhos. Agora estamos vivendo juntos.

Naquela tarde, voltando para casa, comecei a preparar as vagens branqueadas e temperadas de muito azeite que acompanhariam um soufflé de queijo. Thomas se aproxima e me diz, como ele sempre diz, escandindo sílabas e colocando toda a tonicidade no início da frase, num tom de novidade e maravilhamento: "VOCÊ NUN-CA FEZ um soufflé de chocolate, mamãe!" Respondi que de fato nunca fizera. "Faz soufflé de chocolate, mamãe? Faz hoje?"

Eu pretendia dizer NÃO. Que faria outro dia. Que o jantar já era soufflé e que não fazia sentido. Mas novamente as palavras se dissolveram na minha boca antes de formarem som. Por que não?

POR QUE NÃO?

É a pergunta que mais figura em minha mente. E quase nunca a resposta se forma. E até minha filha de três anos sabe e repete aos quatro ventos que Porque Não e Porque Sim não são respostas.

Então separei mais ovos e preparei soufflé de chocolate pela primeira vez na vida, assim, de supetão. E descobri que soufflé de chocolate pode ser feito com antecedência, então fiz uma receita inteira e sobrou sofflé de chocolate para comer no dia seguinte também. Também descobri que soufflé de chocolate é perigosamente fácil de fazer e mais ainda de comer, principalmente essa receita da titia Alice Medrich, o que comprova que foi muito certeira a decisão de colocar esse livro de sobremesas fáceis dela na minha lista de Livros Para Levar Para uma Ilha Deserta.

E foi assim que uma tv quebrada nas férias produziu meu primeiro soufflé de chocolate e uma vida mais feliz.

E para quem já me perguntou sobre livros de "Parenting", indico de coração cheio de alegria o livro Calidad de Vida, da alemã Rebeca Wild. Sobre ritmos de desenvolvimento e qualidade de vida. Mudou meu jeito de ver meus filhos, a escola, e mesmo minha infância e minha vida adulta. Se quiser depois ler Vigiar e Punir, do Michel Foucault, será um ótimo contraponto.

SOUFFLÉ DE CACAO
(do sempre ótimo Sinfully Easy Delicious Desserts, da Alice Medrich)
Rendimento: 8 porções em ramequins de 150-180ml.

Ingredientes:
  • Manteiga amolecida e açúcar para os ramequins
  • 1/2 xic + 3 colh (sopa) açúcar
  • 2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1/8 colh (cha) sal
  • 2/3 xic leite
  • 1/2 xic cacao em pó (sem açucar)
  • 3 colh. (sopa) água
  • 2 ovos grandes, separados + 2 claras
  • 1 colh (chá) extrato de baunilha
  • 1/8 colh (chá) cremor tártaro (se não tiver, 1/2 colh (cha) suco de limão ou vinagre bastam - só é preciso algo ácido para estabilizar as claras)
  • 75g chocolate meio-amargo ou amargo picado finamente ou 1/2 xic chips de chocolate

Preparo:
  1. Coloque a grade do forno no terço inferior e pré-aqueça a 190oC. 
  2. Unte com manteiga todos os ramequins e polvilhe açúcar no interior para recobrir e o fundo e as paredes, descartando o excesso.Posicione os ramequins sobre uma assadeira grande. 
  3. Com um fouet, misture 1/2 xic do açúcar com a farinha e o sal em uma panela pequena. Junte um pouco do leite para formar uma pasta grossa. Então continue adicionando o restante do leite, mexendo para não empelotar.
  4. Ligue o fogo médio-baixo, mexendo com uma colher de pau até que surjam bolhas nas laterais. Então continue cozinhando, mexendo sempre para não pegar no fundo, até que engrosse um pouco, cerca de 2 minutos. 
  5. Despeje a mistura numa tigela grande. Junte o cacau, água, GEMAS de ovo e baunilha e misture para formar uma pasta grossa. Reserve.
  6. Numa batedeira, bata as quatro claras com o cremor tártaro em velocidade média até que picos moles apareçam ao se levantar o batedor. Gradualmente junte as 3 colheres de açúcar restantes, batendo em velocidade alta até que as claras estejam firmes, mas não ressecadas.
  7. Incorpore cerca de 1/4 das claras na pasta de cacau de forma grosseira, para tornar a massa mais leve. Junte o restante das claras e então incorpore rápida e delicadamente com a espátula. Junte o chocolate picado. 
  8. Divida a massa entre os ramequins, até que estejam quase completamente cheios. Nesse ponto, os soufflés podem ser refrigerados por até 24 horas, cobertos com filme plástico. Para assar, basta retirar o filme e ir direto ao forno, deixando uns 3 minutos a mais. 
  9. Asse os soufflés por 12 minutos até que inflem (eles podem rachar no topo)e um palito inserido no meio saia com apenas um pouquinho de massa espessa grudada. Sirva imediatamente. 


Quando as coisas desandam e quando voltam a andar de novo e um biscoito de aveia para uma criança de três anos fazer

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Tudo vai bem. Quando chove e faz frio, calçamos galochas e vestimos casacos impermeáveis e saímos a pular nas poças e passear o cachorro na rua molhada, e nos enfiar nos terrenos vazios para brincarmos de pega-pega, para atirarmos pinhas uns nos outros, para brincar de só poder caminhar pisando em raízes de árvores. Então o Matador de Dragões para ao lado de um formigueiro para fuçar com um galho no que os minúsculos bichinhos fazem lá dentro (apesar de eu dizer repetidamente que é maldade desmanchar o formigueiro). E Madame Bochechas se demora sob a última amoreira ainda com frutas na vizinhança. E eu observo o cão a cheirar o mato, sinto a chuva fina como agulhinhas na ponta do meu nariz, encharcando alguma mecha de cabelo que escapou ao capuz. E tudo vai absolutamente bem.

Até que de repente não vai mais.

E eu me pego irritada na hora do café porque Thomas está - de novo - brincando com a comida e pensando na vida, e berro com Laura que, ao invés de escovar os dentes, está - de novo - apertando todo o tubo de pasta pela pia, esfregando a meleca azul em brinquedos e nos cabelos. E eu sinto o sangue ferver na cabeça quando peço pela oitava vez para que vistam as meias e calcem os sapatos, e para que larguem a poça de lama e entrem no carro, e para que parem de se provocar durante todo o caminho até a escola, e para que desçam do carro sem fazer manha, e para que entrem nas salas sem jogar as mochilas no meio do corredor.

E quando volto pra casa, não sinto vontade de treinar, nem de meditar, nem de pintar, nem de passear o pobre cão que esperou toda essa pataquada, e, à tarde, quando as crianças estão de volta, irrito-me com Thomas brincando com a comida - de novo - e com Laura usando as mãos para comer o arroz - de novo - e eu não quero fazer biscoitos nem quero passear na chuva, nem quero brincar de pega-pega, e quando eles me pedem para ler uma história, me ressinto do fato de que queria sentar e ler um livro meu. Mas a verdade é que a cabeça dói e o que quero mesmo fazer é dormir.

Então eu paro.

O que diabos aconteceu?

Como se passa de um estado tão positivo para outro tão negativo de forma tão rápida sem ter a desculpa de sofrer de algum transtorno de personalidade?

Eu paro e penso. E respiro. E tiro um dia inteiro só para arrumar a casa. Tarefa mecânica e necessária, que permite que minha mente se acalme e organize no mesmo passo que o ambiente. Livre da irritação da bagunça e da sujeira externa, consigo olhar para bagunça e para a sujeira interna. E percebo que normalmente esse desandar não vem de repente. Você não acorda de uma boa noite de sono imediatamente imerso num mau humor imutável. Acontece como alguém que caminha numa linda floresta, absorto com o movimento das folhas, encantado com um passarinho inquieto que voa de galho em galho cantarolando. E você cantarola junto, e tudo vai bem. E o passarinho pousa num arbusto mais para o canto do caminho, e você percebe que depois daquele arbusto tem uma florzinha que você nunca viu. E você, distraído, vai lá ver aquela florzinha. E, ainda distraído, acaba se embrenhando cada vez mais na mata escura até o ponto em que não se lembra mais onde era o caminho ou mesmo por que caminhava por ele.

Desta vez, ao contrário de tantas outras vezes em que me senti perdida numa floresta escura por tanto tempo a ponto de precisar ser resgatada, eu me lembrei do caminho. Sabia onde ele estava e lembrava dos motivos de seguir por ele. E fui galgando novamente cada galho e pedra que me distraíra até estar com os pés plantados outra vez em solo fértil e ensolarado.

Dei-me conta de que o que me distraíra primariamente fora o fato de Gnocchi, meu cãozinho do coração, ter ficado doente. Foi toda uma situação esquisita, que teminou com ele sendo castrado e tendo todas as possíveis complicações. Foi um mês tenso. Mas desta vez me dei conta de que é sempre isso, gente que eu gosto doente (cachorro também é gente!) o estopim para o meu desandar emocional. E perceber isso foi ótimo.

Vi que ao sentir o descontrole da vida, tentei controlar - de novo - outras esferas. Voltei a estressar com horários. Voltei a estressar com o andar da minha carreira. Voltei a estressar com a minha rotina e a das crianças. Voltei mesmo a estressar com a comida - isso tem legumes o bastante? tem fibras o suficiente? será que tem glúten demais? será que eles estão comendo muita sobremesa?

Parei. Parei tudo.

Respira.

Número 1: vá lavar o cabelo, use aquela máscara que sua amiga te deu e que dá aquela sensação maravilhosa de ter uma pele de nenê no rosto, mesmo que só por quinze minutos, vá deitar cedo e ler um livro bom na cama. Amanhã você pensa na vida. O cão está bem agora e você de fato não tem nenhum problema grave. Agradeça por isso.

Número 2: volte a treinar. Em algum momento do dia, mesmo que de noite antes de dormir, cate aquele kettlebell e faça alguma coisa. Vá fazer turkish get up, vá gastar energia e fazer força, e seu corpo vai agradecer por isso. É bom se sentir forte. Olha só! Você conseguiu fazer TGU com 16kg. Nunca tinha feito isso. Não é bom se sentir forte? É sim.

Número 3: vá meditar. Cinco minutinhos. Cinco minutinhos para relaxar a mente e fazer as coisas mais devagar. Largue a mão da preguiça. Cinco minutos não matam ninguém. Pronto. Melhor, né?

Número 4: pergunte o que as crianças querem comer de jantar e faça. Pão com queijo? Faça. Quem se importa? Eles vão ficar felizes, vão se sentir ouvidos, vão comer sem problemas. Amanhã você faz sua polenta com ratattouille. Hoje é pão com queijo. Spaghetti? Mas ontem já teve macarrão? E daí? O molho é feito em casa, vocês são de família italiana e na Itália se come massa todo dia e ninguém morre por isso. Ai, o glúten! Ninguém em casa é celíaco, enfia o pé no glúten e seja feliz.

Número 5: trabalhe com afinco e dê o braço a torcer. Você odeia Facebook, mas sua irmã e seu marido há tempos te enchem para criar uma conta no Instagram. "É ótimo para divulgar seu trabalho, Ana", diz sua irmã. "Você não precisa passar o dia fuçando nele como o Facebook", diz seu marido. "As pessoas raramente vão a sites para ver se tem material novo", dizem os dois, quando rebato que já tenho um portfólio online (www.anaelisagg.com e http://desenhoque.blogspot.com - sim, voltou a se chamar Desenhoquê). Respiro fundo e crio a danada da conta. Ok, de fato, é mais tranquilo que Facebook e não me deixa presa ao celular ou ao computador. A perspectiva de mais gente conhecer e comprar meu trabalho por conta disso me anima um bocado. Mergulho no trabalho. Entro num ritmo de produção que me deixa incrivelmente contente. Vendo dois quadros na abertura de uma exposição num clube. :)

Chove lá fora. A cântaros. Não dá pra passear lá fora nem brincar de pega-pega. Thomas pede para ler livros com ele. Um após o outro. Então paramos para fazer biscoitos de aveia da Tessa Kiros, tão fáceis que Laura faz sozinha. Fico orgulhosa em vê-la quebrar ovos sem romper a gema. Ela constantemente enfia o dedo dentro da massa para experimentar duas, três vezes a cada adição de ingrediente. Duas semanas atrás eu teria ficado irritada. Desta vez me contenho. Dou uma bronca quando a sujeira passa dos limites. Ela me ajuda a amassar as bolinhas de biscoito na assadeira enquanto Thomas está jogando um jogo da Lego no video-game. Direito dele, por ter se comportado bem e ter ganhado uma estrelinha no dia anterior. Quando os biscoitos ficam prontos, Laura come um leva vários para o irmão. Como sempre acontece, aquele um biscoito será o único que Laura provará. Ela adora fazer biscoitos mas prefere lanchar cenouras e morangos. Thomas, biscoiteiro, terá todo o fruto de nosso trabalho para ele.

Desliga-se o jogo e eles começam a correr loucamente pela casa. Não consigo entender as regras da brincadeira inventada. Dão cambalhotas na minha cama, escondem-se embaixo da mesa, jogam bola no corredor, e eu me sento no sofá junto do Gnocchi, que finalmente está livre do Cone da Vergonha. Abro meu livro à meia luz prateada do dia chuvoso e leio boas trinta páginas do Modernidade Líquida, de Zigmut Bauman. Excelente livro. Percebo que não lera nada direito durante aquele mês estranho. Faço um cafuné no cão. "Você precisa de um banho", digo, sentindo seu pelo empoeirado e grosso sob os dedos.

E tudo vai bem.

E no que tudo vai bem, me dou conta de que o estar relaxada na cozinha contribui e muito para o meu relaxamento no restante do dia. Produzir um biscoito simples (e gostoso) de aveia ao invés de grandes empreitadas. Servir um simples arroz integral com igualmente simples brócolis refogado em alho e coberto de molho de tomate, também do livro da Tessa e chamar de refeição. E não ficar me desgastando demais com grandes planejamentos e grandes expectativas gastronômicas e grandes pressões nutricionais. Simplesmente produzir uma refeição gostosa. Ganhei um abraço imenso do meu pimpolho mais velho quando apanhei um punhado de morangos já querendo passar, misturei duas colherinhas de açúcar e processei com meio tablete de manteiga sem sal: manteiga de morango para passar no pão no café da manhã. Foi um daqueles sucessos estrondosos que eu sei que gerarão lembranças de infância calorosas. E no fim, é isso o que eu quero.

A foto da manteiga de morangos está no meu Instagram, ou "a nova geladeira de mãe", como eu costumo chamar: @anaelisagg.

Com menos livros, pude parar de assinar o Eat Your Books, apesar de adorar o serviço, e voltei a fazer o que eu amava fazer quando comecei minha coleção de culinária: sentar-me no sofá ao lado da janela e folhear meus livros acompanhada de uma xícara de chá, decidir o que fazer durante a semana de forma relaxada.

Por isso estou refazendo aqui a lista dos livros que estou tirando da estante. Os que são bons, já usei muito, mas não preciso mais. Podem ser infinitamente mais úteis na estante e na cozinha de outra pessoa. Acrescentei alguns outros itens à lista anterior.

Se alguém se interessar, mande um email para lacucinetta@gmail.com com seu endereço completo. :)


LIVROS 

R$50,00 + frete
-Sunday Suppers at Lucques - Suzanne Goin
-One Good Dish - David Tanis
-Green Kitchen Travels - David Frenkiel & Luise Vindahl
-The Self-Sufficient Life And How to Live It - John Seymour
-House Industries (livro completamente ilustradio sobre design de tipografia)
-Aquarela (a cor da memória) - Cla Editora
-Cozinhando para Amigos - Heloísa Bacelar
-Cozinhando para Amigos 2 - Entre Panelas e Tigelas (1a edição) - Heloísa Bacelar
-The Greens Cookbook - Deborah Madison
-Vegetarian Everyday - David Frenkiel & Luise Vindahl
-A Change of Appetite - Diana Henry

R$35,00 + frete
-Baked Explorations  - Matt Lewis e Renato Poliafito 
-In Tuscany - Frances Mayes
-O Poder de Cura deVitaminas, Minerais e Outros Suplementos - Editora Seleções 
The Homemade Flour Cookbook -Milk - The Surprising Story of Milk Through the Ages - Anne Mendelson
My Bread - Jim Lahey
Complete Indian Cooking - Editora Hamlyn
Bill's Everyday Asian - Bill Granger

R$25,00 + frete
-The Multi-Cultural Cuisine of Trinidad e Tobago
-Medium Raw - Anthony Bourdain
-Augustin Skecthbook - reprodução do sketchbook de Virginie Augustin
-Mamãe e Eu Na Cozinha - Publifolhinha
-Pâtes a tartiner - Rachel Khoo (em francês)
-Tart & Sweet - Jessie Knaddler
-O Homem que Comeu de Tudo - Jeffrey Steingarten

OUTROS LIVROS DE TEMAS VARIADOS - R$15,00 + frete
-All Natural - A Skeptic's Quest to Discover if the Natural Approach do Diet, Childbirth, Healing and the Environment Rea;;y Keep Us Healthy and Happier - Nathanael Johnson
-Cleaving - Julie Powell
-A place of my own - Michael Pollan (sobre arquitetura)
-Vampire Stories - Penguin Publishers (uma coletânea bem legal)
-The Vampire Enciclopedia - Mathew Bunson
-Vampires Are - Kaplan
-Not that kind of girl - Lena Dunhan
-Celtic Design - A Beginner's Manual - Aidan Meehan
-Structural Package Designs  (livro com facas variadas para embalagens - acompanha cd's com pdf's)

EQUIPAMENTO DE COZINHA
-Moedor de grãos de ferro Botini - R$75,00 + frete
-Canudos de alumínio para cannoli pequenos (10cm), 12 unidades - R$25,00 + frete

COLEÇÃO DE REVISTAS

-DONNA HAY (do número 52 ao 76, sem interrupção, total de 25 revistas em excelente estado) - R$50,00 + frete

-GOURMET MAGAZINE (de Novembro 2008 a Novembro 2009, sem interrupção, sendo esse o ÚLTIMO ANO de existência da revista, + os números de Setembro 2008, Março 2008 e Agosto 2007, total de 16 revistas com sinais de uso) - R$25,00 + frete

-LA CUCINA ITALIANA (Revista EM ITALIANO - Números Janeiro 2005, Setembro 2009, Fevereiro 2007, Março 2007, Junho 2007 e as duas edições comemorativas Piatti Freddi Per L´Estate e Dolci, Torte e Dessert, totalizando 7 revistas em ótimo estado) - R$15,00 + frete






BISCOITOS DE AVEIA PARA QUALQUER CRIANÇA DE 3 ANOS FAZER
(Do meu livro favorito, Apples for Jam, de Tessa Kiros)
Rendimento: 25 - 30 biscoitos, dependendo do tamanho

Ingredientes:

  • 1 ovo
  • 2/3 xic açúcar mascavo apertado no medidor
  • 1 colh (chá) extrato natural de baunilha
  • 5 1/2 colh (sopa) manteiga em temperatura ambiente, amolecida
  • 1/2 xic. farinha de trigo
  • 1/3 xic. farinha de trigo integral
  • 1 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 pitada de sal
  • 1 xic. aveia em flocos (se só tiver em lâminas, como era o meu caso, basta bater no processador ou liquidificador até obter flocos mais finos)
  • 1 1/2 colh (sopa) leite


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Forre uma assadeira grande com papel manteiga ou silpat. 
  2. Numa tigela, bata o ovo, o açúcar e a baunilha com um fouet até que o açúcar esteja dissolvido. 
  3. Junte a manteiga, misturando, e então as farinhas, o fermento e o sal, misturando com uma colher de pau. 
  4. Junte a aveia e então o leite. 
  5. Com mãos úmidas, faça bolinhas do tamanho de nozes (cerca de 25 delas) e coloque na assadeira com espaço para que espalhem. Achate-as para que pareçam mini-hamburguerzinhos.
  6. Leve ao forno por cerca de 15 minutos, ou até que estejam com as beiradas douradas. Podem ainda estar um pouco molinhos no centro, desde que secos ao toque. 
  7. Deixe que esfriem sobre uma grade antes de guardá-los num pote fechado. Duram bem uns 5 dias e são ótimos para o lanche da escola.






Planejamento, expectativas e Pizza de Natal

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Eu costumava amar Dezembro. Era mês de férias, era mês de cozinhar quitutes de Natal, mês de planejar presentes e cartões... enfim. Aquela coisa toda.

Os anos foram passando e Dezembro começou a me causar sérias ansiedades. Era mês de férias, mas só das crianças, não minhas. Era mês de fazer quitutes de Natal. Mas tem piquenique da escola (prato salgado pra um, prato doce pra outra), tem que fazer biscoito pra dar pros professores, tem que fazer quitutes pra Nikolaus, tem que fazer quitutes pra todos os domingos de advento, tem que planejar a ceia como se fosse um banquete para o papa, tentanto agradar todo mundo mas principalmente tentando provar pra mim mesma que sou capaz de produzir uma ceia absurdamente fantástica, 100% feita em casa e orgânica. Tudo coordenado para não depender da banca de orgânicos que some por quase três semanas nessa época, tudo milimetricamente planejado para dar tempo de preparar todos os detalhes no meio dos amigos-secretos (eu odeio amigo-secreto), confraternizações de fim de ano, cantatas de Natal da escola, aniversários de amigos, trânsito infernal de fim de ano, correria pra comprar presente, e toda aquela expectativa de criar cem por cento de momentos mágicos e memoráveis para as crianças enquanto você tenta entregar rapidamente aquele trabalho super atrasado. E não dá tempo de fazer o calendário de advento que você planejou, ou os cartões de natal em aquarela que você imaginou para mandar para os clientes... Vinte quatro dias de Dezembro passam como se fossem 24 horas. Aquela coisa toda. 

O Gnocchi! Faz tempo que ele não aparece aqui! :D
(A árvore parece gigante. Mas é o ângulo da foto.)

Esse ano Dezembro chegou meio engraçado. Engraçado porque está sossegadíssimo.

Há uns meses atrás, meu HD externo corrompeu. E corrompidos foram os registros de todos os trabalhos que eu produzi nos últimos 5 anos. TUDO. Tentei todos os programas de reparação de HD, mandei pra assistência técnica especializada. NADA. Aquele mês terminou comigo num terreno baldio, gritando com todas as forças de meus pulmões ao atirar o HD quebrado contra um muro de cimento, uma, duas, cinco vezes, até ver aquele pequeno monte de lixo reduzido a pó. 

Se você comprou de mim um original alguma vez na sua vida, por favor me envie um email (lacucinetta@gmail.com) com seus dados (nome, telefone, qual obra foi comprada ou encomendada), para que eu possa ter um registro disso novamente. Agradeço de coração. (Voltei com a loja, agora http://anaelisagg.iluria.com, mas perdi todo o meu banco de dados. Quem já tinha comprado obras minhas e quer mais, fique de olho, que pretendo colocar uma obra diferente em oferta todo mês - está tudo com frete grátis.)

A perda dos trabalhos foi, como muitas outras bizarrices que aconteceram esse ano, um forçado mas positivo recomeço. Mudei meu jeito de ver meu trabalho, defini o que de fato quero, e parei de me estressar pela suposta falta de tempo. Quando chegam as férias, eu não fico mais frustrada por não ter para trabalhar aquelas horas matutinas em que as crianças estariam na escola. Eu dou um jeito, faço quando posso, e as crianças vão se acostumando a deixar mamãe trabalhar um pouco em paz. 

Então estou positivamente ansiosa pelas férias escolares. :)

Para podermos tomar café com calma e sairmos para passear sem hora para voltar, ou mesmo para podermos não fazer coisa nenhuma. Vai ser bom ter as crianças em casa o tempo todo, sem chegarem exaustas e irritadiças da escola. 

Não fiz nenhum quitute de Natal. Ainda. Mas também não acho que vá fazer mais nada além dos spekulatius que o marido pediu. Pensei no torrone, mas há alguns meses, num momento crítico em que havia uma grande necessidade de abrir mão do controle e me tornar uma pessoa mais relaxada, lembro-me de ter ficado fascinada com o senso de humor do universo, que começara a destruir meus instrumentos de medição e controle justo na área em que eu me considerava mais em necessidade de controlar: a cozinha. Derrubei meu termômetro de doces feito de vidro no chão sem querer, no mesmo dia em que minha balança de cozinha quebrou. o_O 

Tinha vontade de fazer panforte de novo para dar de presente, mas além de não ter papel arroz para comprar em nenhum lugar além das lojas do centro de São Paulo (onde eu realmente não quero ir em meados de Dezembro), continuo caindo pra trás com o preço das castanhas e das frutas secas, o que meio que mata qualquer plano meu de fazer... bem... qualquer quitute natalino, na verdade. 

Perdi completamente a vergonha de mandar tomates-cereja como "prato salgado" do piquenique da escola. Hoje entendo totalmente a mãe que manda um pacote de doritos, juro que entendo. Mas prático por prático, ainda prefiro mandar tomates. Não me martirizo mais.

Esse ano, na ceia de Natal, sou convidada. Não vou fazer patavinas. E se antes isso me frustrava, porque eu queria a oportunidade de fazer uma ceia toda imaginada por mim, agora eu realmente não ligo. Vai ser gostoso, vai estar bom, e se as crianças estão contentes, eu estou tranquila. O importante são as pessoas. 

Esse ano eu até consegui fazer cartões de Natal. Meia dúzia, só pros avós e pras tias. Mas fiquei feliz de ter feito com a pimpolhada, inspirada por um cartão lindo e uma série de gravuras que recebi láaaaaa da Inglaterra, de uma amiga querida que adora botar a família toda com a mão na massa. Foi mais legal e mais importante passar essa tarde juntos bagunçando com tinta no papel do que ficar preocupada com grandes produções artísticas impressionantes da minha parte. 

Dezembro está super ocupado daquelas coisas todas que se tem pra fazer nesse mês. Mas esse ano eu não estou estressada a respeito. Não vai ter nada natalino aqui no blog, porque, convenhamos, tem em todos os outros, e eu nunca faço nada de novo, na verdade, até porque essa variação louca de temperatura e a chuva andam me tirando a vontade de ficar fazendo doces sensíveis à umidade e à temperatura, e especiarias não andam me apetecendo muito - estou preferindo sabores mais frescos. Ao invés disso, vai ter pizza. Porque nada diz menos Natal do que pizza. 

Acho lindo (mesmo) esse povo que diz que todo domingo faz pizza, toda segunda faz pão, terça é dia de macarrão, etc. Li um pouco a respeito de planejamento de refeições e por um instante até achei que conseguiria seguir um plano alimentar para tentar reduzir custos e facilitar a vida. Mas a verdade é que se em todo o restante da minha vida eu sou a senhora-listas-e-planilhas, a cozinha hoje é meu cantinho libertário da improvisação. Adoraria saber improvisar em conversas com estranhos com a mesma facilidade e prazer que improviso com ingredientes desconexos da geladeira. Não dá.

Morri de felicidade adolescente ao comprar uma agenda nova para o ano que vem, prevendo o modo como vou organizar meus dias, separando compromissos de tarefas, planejando projetos pessoais... mas na cozinha, ainda que adore minha listinha de ingredientes na porta da geladeira (com tudo o que tem lá dentro de fresquinho, listado em ordem decrescente de validade, para não deixar nada estragar e saber o que tem uso prioritário), confesso que adoro ir à feira sem nenhuma receita em mente, e abrir a geladeira numa terça-feira e decidir fazer pizza porque sim. E chegar na sexta e decidir outra coisa completamente diferente e não planejada. Até porque me parece que toda vez que planejo com muito afinco uma refeição especial, é esse o dia em que o Allex fica preso no trabalho, as crianças estão birrentas de sono, o gás acaba, eu corto o dedo, o ingrediente principal revela-se inexplicavelmente estragado bem no meio do preparo. Então dane-se. Não planejo mais nada, não tenho nenhuma expectativa. Faço pizza quando tem ingrediente de pizza e paciência pra fazer pizza. 

Talvez por isso Dezembro esteja correndo tranquilo. 

Não planejei nada. Não planejei quitutes, não planejei presentes, não planejei calendários de advento. Comprei um chocolate de qualidade para cada filho às oito e meia da noite do dia 5 de dezembro pra botar no sapato deles em Nikolaus. Eles amaram. E eu não fiquei me martirizando para fazer docinhos especiais. No dia em que lembrei da árvore de Natal, saí e comprei a danada na primeira loja de jardinagem que achei e botei as crianças para montar. Todos os enfeites ficaram na frente e embaixo, claro. E eu não liguei. Ficou ótimo, e a pimpolhada ficou super orgulhosa. E conforme o rabo do Gnocchi foi abanando e derrubando os enfeites na parte debaixo, eu fui catando e pendurando em cima.

Aí resolvi fazer sim biscoitos para as professoras. Tinha a expectativa de poder dizer que as crianças haviam feito, pois os dois SEMPRE fazem biscoitos comigo. Só para ser do contra, desta vez, quando chamei para que me ajudassem, toda empolgada, ouvi deles um entendiado "ah, mãe, a gente não está afim agora não..." É o fim do significado especial dos biscoitos e do momento mágico que eu tinha imaginado? Neh. Fiz a massa e disse que avisaria quando fosse cortá-los e assá-los caso mudassem de ideia, e ficou por isso mesmo. Sem grilo. Afinal, bons momentos a gente não cria: eles acontecem porque estamos neles, presando atenção e de coração aberto. 

Eu tinha muitos planos e muitas expectativas para muitas coisas na minha vida. E o engraçado é olhar às vezes e perceber que saiu tudo absolutamente ao contrário do que eu tinha planejado. Ainda bem. :) Esse foi o ano das expectativas frustradas, das grandes decepções, dos pequenos sustos, mas, principalmente, o ano da reconstrução, do fortalecimento e da compreensão. Foi o ano em que percebemos aqui em casa que expectativas são uma grande bobagem e que planejamento não quer dizer firmar cada detalhe em concreto para garantir que a decepção não virá, mas simplesmente estar preparado para os obstáculos e maleável para alterar os detalhes quando necessário. 

Foi o ano em que, depois de vinte anos cozinhando, finalmente aprendi a improvisar na cozinha, aprendi a criar sem precisar de livros, aprendi a fazer pães sem receita, sem balança, sem medidas, apenas sentindo a textura da massa entre os dedos. 

Eu nunca saberei o que é improvisar dessa forma na vida. Mas a pequenos passos, aprendo a manter os olhos fixos nos meus objetivos, mas os pés leves para buscar rotas alternativas que me levarão lá, sem transformar numa muralha uma pequena pedra no meio do caminho. 

Essa pizza que não é pizza vem do meu livro favorito de todos os tempos, como já falei umas oitenta vezes por aqui: da Tessa Kiros, Apples For Jam. O bichinho já tem páginas grudadas por respingos de comida, lombada rasgada de tanto puxar da estante, e eu não me canso de folheá-lo e cozinhar dele. No livro, ela chama de Pizza Rossa uma simples massa de focaccia, bem úmida, esticada bem fininha e coberta de espesso molho de tomate. Ela sugere nas notas cobrir com um punhadinho de queijo no meio do cozimento. Não tive dúvidas, e pus um punhadão de mozzarella de búfala, e parmesão, e manjericão. 

Da primeira vez que fiz, usei uma assadeira menor e ela ficou tão alta que poderia fazer sanduíches. Depois tentei na maior assadeira que tinha, e se meu forno comportasse, poderia ainda fazer maior. A base fica crocante por fora, inacreditavelmente macia por dentro e muito saborosa. A cobertura fica perfeita. O resultado é uma pizza mais bojuda, mas tão gostosa e fácil de fazer, que não quero fazer nenhuma outra. Fácil, porque você prepara a massa na batedeira planetária, deixa fermentando lá mesmo, e então apenas joga tudo na assadeira e, com mãos molhadas, empurra e estica a massa até preencher todo o espaço. Nada de sovar, nada de moldar, abrir, esquentar pedra de forno... Aqui em casa ninguém liga da pizza ser retangular. Mas claro que nada impede alguém de dividir a massa em duas assadeiras e puxá-las e esticá-las até que fiquem arredondadas. 

Você só precisa começar essa pizza cedo. Ela gosta de uma fermentação um pouquinho mais longa do que a outra receita de pizza. Ah. Então um pouquinho de planejamento ainda precisa. Mas as expectativas, nesse caso, se cumprem maravilhosamente. :)

PIZZA
(do livro Apples For Jam, da Tessa Kiros)

Ingredientes:
(massa)

  • 1 3/4 xic água morna
  • 2 1/4 colh (chá) fermento biológico seco
  • 1 colh (chá) mel
  • 1 1/2 colh (sopa) azeite
  • 4 3/4 xic. farinha de trigo
  • 1 1/2 colh (chá) sal

(molho)

  • 6 colh (sopa) azeite
  • 1 dente de alho grande, descascado e ligeiramente amassado
  • 2 latas de tomate pelado (às vezes eu uso uma só e reduzo pouco)
  • 1 colh (chá) sal
  • folhas de manjericão
  • mozzarella ralada grosso, à gosto


Preparo:

  1. Na tigela da batedeira (ou numa tigela grande, se não usar a batedeira), misture a água, o fermento, o mel, o azeite e 3/4xic de farinha até que fique homogêneo. Cubra e deixe fermentando por 20-30 mintuos, até que espume bem. 
  2. Junte o restante da farinha e o sal e sove na batedeira, com o gancho, por uns 5 minutos. Se não tiver a batedeira planetária, apenas jogue a massa de um lado para o outro dentro da tigela por uns 10 minutos. Não coloque mais farinha. A massa deve ficar sim bem melequenta, quase não mantendo forma. É essa umidade que vai deixar a massa macia e a casca crocante. Cubra a tigela com filme plástico e deixe fermentando por 1h30, ou até que dobre de tamanho. 
  3. Unte com azeite uma assadeira grande, a maior que você tiver, de uns 30x40cm, ou maior se tiver. Despeje a massa lá e, com mãos molhadas de água fria, empurre e estique a massa até que ela preencha uniformemente toda a assadeira, tentando não rasgá-la. Se ela ficar encolhendo, deixe que relaxe por uns minutos e tente outra vez. 
  4. Coloque copos ao lado da assadeira, nos cantos, e cubra com um pano, para que o pano não encoste na massa, ou vai grudar. Deixe fermentar por mais 1 hora. 
  5. Enquanto isso, faça o molho: aqueça o azeite e o alho, e quando ele perfumar, junte os tomates, o sal e o manjericão. Cozinhe por uns vinte minutos, até que o molho reduza um pouco. Se quiser, pode passar por um mixer para deixá-lo mais uniforme. Deixe que esfrie antes de usar. 
  6. Pré-aqueça o forno a 250oC. 
  7. Retire o pano de cima da massa. Como a uma focaccia, afunde ligeiramente as pontas dos dedos molhados por toda a massa, para criar bolsõezinhos de molho. Despeje uniformemente o molho por cima. Parece muito, mas fica bom. 
  8. Leve ao forno quente por 10 minutos. Retire, polvilhe com bastante queijo mozzarella (até com fatias de queijo prato eu já fiz, e fica ótimo), e volte ao forno por mais 10-15 minutos, ou até que a massa esteja ligeiramente dourada, crocante ao toque, e o queijo esteja derretido. Retire e corte para servir. 

Acreditando em um pessegueiro

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Nessa época do ano a gente se empolga (ou sou apenas eu?) com as frutas da estação que lembram Natal, e gasta os tubos em pêssegos, nectarinas, ameixas, cerejas... aliás, bota tubos nisso, pois as cerejas estão valendo ouro nos últimos anos. Aí vem aquela frustração de ter uma caixa inteira de frutas lindas, coloridas, bojudas, perfumadas... e com gosto de coisa nenhuma. Quem nunca passou por isso?

Há uns anos atrás, comprando uma árvore de Natal numa loja de construção, deparei-me com um pessegueiro sendo vendido a 13 reais. TREZE REAIS. Eu precisava levá-lo para casa. Era um PESSEGUEIRO! Ignorei totalmente o fato de que se tratava meramente de um galho mirrado pouco mais longo que minhas pernas, ostentando depressivamente uma única folha verde esmaecida, beirando o amarelado. Veio num torrãozinho de terra do tamanho de um pão francês, esturricado de seco, e o bichinho era tão frágil, tão frágil, que achei que fosse mesmo quebrar durante o transporte até o caixa.

No entanto, ele veio para casa. E em casa, escolhi um cantinho abandonado, do lado da porta de entrada, de onde eu arrancara uma touceira que quase não dava flores e só fazia acumular aranhas e mosquitos. Plantei com carinho, acomodei pedras em torno do seu tronquinho esquelético, e reguei bem. Depois de plantado, dei boas vindas e boa sorte ao pessegueiro e abandonei-o à mesma sorte de todas as outras plantas aqui de casa, que são estimuladas a sobreviver ao ambiente e à minha falta de habilidade em cuidar de mais seres vivos do que dois filhos e um cachorro.

Passaram-se os anos. Para minha surpresa, o pessegueirozinho continuou ali. Não muito firme, não muito forte, mas ali. De vez em quando apareciam mais duas ou três folhinhas verdes brilhantes, e houve mesmo uma vez que surgiu uma florzinha cor-de-rosa delicada, que foi meu grande amor pelo tempo que durou, e chegou mesmo a tornar-se uma bolinha verde aveludada que não chegou a ficar maior que minha unha antes de desprender-se do galho e sumir na grama.

E assim foi. Enquanto o abacateiro em frente crescia forte (esse abacateiro plantado da semente, no mês em que nos mudamos para esta casa, após sonhar que plantava um abacateiro com meu filho), o pessegueiro continuava ali, um galho, meramente um galho, nada mais que um galho.

Então, esse ano - talvez tenha sido o clima louco, as chuvas, a seca, o calor, o frio, ou tão somente a força de vontade e espontaneidade da natureza - o pessegueiro cresceu. Assim, de um dia para o outro, loucamente, inadvertidamente, ele se multiplicou e espalhou, e cresceu, e subiu, e alargou, e aquele galho de repente era uma mini-árvore tão frondosa quanto pode ser uma mini-árvore-quase-arbusto, mas ainda assim muito diferente do galhinho seco que uma vez fora. E de um dia para o outro floresceu uma miríade de gotas cor-de-rosa, que se abriram com vontade para as abelhinhas pretas, e quase não deu tempo para minha filha se encantar com as pétalas delicadas, e já havia bolotinhas verde-aveludadas por todos os galhos.

Meu pé de pipoca quando apareceram os primeiros pêssegos.

Corri para ensacar todos eles, em saquinhos brancos e araminhos pretos, e a piada da família era que se tratava de um pé de pipoca. Todos os dias por meses e meses as crianças se aproximavam para ver a quantas andavam as frutinhas, com a promessa de que quando chegasse o Natal, os pesseguinhos estariam prontos para serem comidos.

Então veio uma tempestade que quase arruinou tudo, com pedras de gelo do tamanho das próprias frutas, que rasgaram saquinhos, derrubaram pêssegos, amassaram, quebraram, destruíram. Salvaram-se dois terços; o resto, tão verdinho, tão delicado, não resistiu.

Troquei-lhes os saquinhos e continuei de olho.

Dá pra ver onde o granizo machucou os frutos.


Um mês depois, eu conseguia divisar através do papel branco o rubor delicado dos pêssegos maduros; e vi aqueles frutos grandes, redondos, amarelo-rosa-avermelhados, perfumadíssimos, e morri de amor por cada um deles, mesmo os bichadinhos, mesmo os machucados. Colhi uma boa braçada de pêssegos, quase uns vinte, e nem acreditei que aquele galhinho mirradinho seria um dia capaz de tal proeza.

Os pêssegos, no entanto, não estavam lá muito doces não. As crianças experimentaram um ou dois e então desistiram em prol das uvas, dos morangos, das mangas. Havia um amargorzinho neles, mesmo nos mais maduros. O que fazer?



Deixei-os na geladeira por uma semana, para que não estragassem, pensando no que fazer com eles. Tentei grelhar um com açúcar, mas o amargor pareceu prevalecer, e por isso achei que uma geleia teria o mesmo efeito.

Então chegou meu aniversário de casamento-juntação-de-trapos. Como sempre, eu esqueci. Foi o marido que lembrou. Onze anos sob o mesmo teto. E ao lembrar do nosso começo naquele apartamentozinho, lembrei-me das cestas de Natal e do pêssego em calda que sempre vinha nelas, e que um dia até virou torta de pêssego aqui no blog.

Pêssego em calda, claro. Talvez o cozimento delicado fizesse sumir aquele amarguinho.

Enquanto os pêssegos cozinhavam naquele xarope cor-de-rosa, fazendo com que um perfume delicioso enchesse a casa, fiquei pensando naquelas latas de pêssego em calda, naquelas cestas de Natal, dos empregos de onze anos atrás, no nosso apartamentinhozinho com nossa cozinhazinha que deu nome a esse blog, La Cucinetta. Quanta coisa eu fiz naquela cozinha.

Lembrei-me de quando nos mudamos para lá, do colchão no chão, dos móveis emprestados, da cozinha toda improvisada. Das manhãs com cafés feitos na Bialetti, dos domingos à noite de mãos dadas assistindo a desenhos japoneses. Pensei em quão pouca coisa tínhamos e de quão pouco precisávamos. Precisávamos da companhia um do outro, daqueles cafés, daquelas mãos dadas, das idas até o teto do prédio para tomar uma cerveja e ver a noite passando lá embaixo, conversando coisas que só nós dois entendemos um do outro.

Onze anos se passaram. Quinze desde o dia em que ele resolveu interromper uma conversa minha sobre Iron Maiden. Quinze anos depois continuamos conversando sobre Iron Maiden. Fomos juntos a três shows deles. Só não fomos a quatro pois eu estava já grávida de nove meses do Thomas.

Onze anos desde o dia em que resolvemos dividir uma casa, e meu coração bate forte com as manhãs de cappuccino feitos na Gaggia e os domingos à noite de mãos dadas assistindo a desenhos japoneses. Hoje temos mais coisas do que naquela época, mas nos damos conta de que não precisamos de quase nada. Apenas da companhia um do o outro, desses cafés, dessas mãos dadas, e das voltas no quarteirão para passear o Gnocchi, tomando uma cerveja e vendo a noite passando à nossa volta, conversando coisas que, mais do que nunca, só nós dois entendemos um do outro.

Minto, há mais, claro que há mais. Precisamos dessas duas crianças lindas, de bochechas rosadas como pêssegos, que ao contrário das frutas do meu pessegueiro mirradinho, são as criaturas mais doces do mundo. E que vêm crescendo fortes mas gentis.

Eu não sabia quantos frutos aquele galhinho de pessegueiro me daria um dia, e eu não sabia que uma conversa sobre heavy metal e filosofia numa quinta à noite um dia me daria uma família. Bastou acreditar. Bastou um pouco de cuidado. Um pouco de amor no coração para deixar as coisas tomarem seu rumo sozinhas, natural e espontaneamente, abandonadas à nossa habilidade de cuidar um do outro.

Para os pesseguinhos não tão doces, um nadinha mais de cuidado e fé em seu potencial. E eles se tornaram muito doces, perfumados, macios e cor-de-rosa, delicados e surpreendentemente deliciosos com uma colherada de iogurte. Seu amargor se foi, e ficou a vontade de ver o que mais o futuro trará a esse meu pequeno pessegueiro.

PÊSSEGOS EM CALDA (ou qualquer outra fruta)
(Adaptado do Apples for Jam, de novo)

Tudo vai depender da quantidade de fruta que você tiver e do quão doce quer a calda, na verdade, Aqueça numa panela água o bastante para cobrir as frutas, com açúcar na proporção de 4 partes de água para 1 parte de açúcar. Aromatize com o que quiser: baunilha, casca de limão, laranja, especiarias... e uma boa espremida de suco de limão para a fruta não escurecer. Frutas mais duras, de inverno, ficam melhores descascadas, e essas de caroço, de verão, podem ser cozidas com casca, que vai se soltar naturalmente. Corte as frutas na metade, e quando o xarope atingir uma fervura branda, abaixe o fogo para o mínimo, coloque as frutas e cozinhe apenas até que fiquem macias, sem se desmancharem. Algo entre 5-10 minutos, dependendo da fruta. Retire a fruta cozida para um prato e leve ao freezer por alguns minutos para parar o cozimento. Leve o xarope à geladeira para que esfrie completamente. Quando tudo estiver frio, volte às frutas ao xarope. Dura 1 semana na geladeira.

Verão, refeições colaborativas, cozinhando sem me dar conta

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Basler Leckerli depois de cortado.


Ah, o verão.

Esse bafo quente do inferno.
Esse ar parado onde só se movimentam mosquitos.
Essa vontade de me jogar no sofá em frente ao ventilador e permanecer ali até a noite chegar.
Esse asfalto quente que queima as patas do cão quando a gente sai pra passear.
Esse sol escaldante que torra a nossa nuca enquanto a gente tenta ler no parquinho que não tem sombra.
Essa chuva à tarde que frustra todas as minhas tentativas de levar as crianças pra passear na cidade.
As moscas.

Ah.

O verão.

Dezembro passou num piscar de olhos e com alívio. Natal e Reveillon com a família foram muito muito bons, mas parece que mesmo não mexendo minha busanfa para fazer ceia nem nada, ainda assim os compromissos, o trânsito caótico de São Paulo e o preço das cerejas deixa você meio que em estado irritadiço e ansioso o tempo todo. Quando você se dá conta, está de férias há um mês, mas parece que alguém esqueceu de avisá-lo disso, pois você nem passeou nem descansou durante esses trinta dias que passaram voando.

Aquela velha rotina de infindáveis receitas de Natal durante Dezembro com certeza não existiu por aqui. Concentrei mais meu tempo em ficar com as crianças e colocá-las para me ajudar na cozinha do dia-a-dia propriamente dita.

Para não dizer que não fiz NADA-NADA especial para Natal e Reveillon, fiz sim. Coisas bem simples e muito poucas.

Fiz ESSES BISCOITOS de canela da Martha Stewart para dar às professoras no último dia de aula. No fim das contas, as crianças acabaram se animando e correram para escolher os cortadores. Para minha surpresa, eles foram extremamente cuidadosos e organizados, e os biscoitos saíram perfeitos. Tanto, que pensei que as professoras não acreditariam em mim quando dissesse que eles os haviam feito. :P

Também fiz, a pedido do marido, e novamente com a ajuda da pimpolhada empolgada, os Spekulatius de sempre, receita AQUI NO BLOG.

Esse ano combinamos de só dar presentes para as crianças. Mas como minha sogra e meus pais se encarregaram da ceia, e eu não queria ir assim tão de mãos vazias, resolvi fazer um biscoito suíço chamado Basler Leckerli, do livro Minha Cozinha em Berlim, da Luisa Weiss, que fora presente de Natal de minha sogra há uns bons anos atrás, e foi um dos livros que mantive por ter algumas receitas alemãs que eu ainda queria testar - essa entre elas. Os biscoitos, que com o passar dos dias vão ficando mais sequinhos e crocantes, e que meus filhos chamaram de "biscoito de balinhas", por causa das frutas cristalizadas coloridas, para mim tinham gostinho bom de panettone, e foram embalados e dados de presente para a família na noite do dia 24.

Basler Leckerli antes de separar.


BASLER LECKERLI
(Do livro Minha Cozinha em Berlim, de Luisa Weiss)
Rendimento: cerca de 40 biscoitos de 2,5cm

Ingredientes:
  • 3/4 xic mel
  • 1/3 xic açúcar + 1 colh (sopa)
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 2 1/2xic. farinha de trigo
  • 2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 ovo grande
  • raspas da casca de 1 laranja orgânica
  • raspas da casca de 1 limão-siciliano orgânico (usei taiti)
  • 1/8 colh(chá) noz moscada ralada
  • 1/8 colh (chá) cravo em pó
  • 1 1/2 colh(chá) canela em pó
  • 2/3 xic. (rasa) de amêndoas sem pele, bem picadas
  • 3/4 xic.casca de laranja cristalizada, bem picada (ou substiua as duas cascas cristalizadas pelas mesmas quantidades de frutas cristalizadas sortidas, como eu fiz)
  • 3/4 xic. casca de cidra cristalizada, bem picada 
  • 1/4 xic. açúcar de confeiteiro
Preparo:
  1. Numa panela em fogo médio, derreta o açúcar, mel e sal e passe a mistura para uma tigela. deixe esfriar. 
  2. Aqueça o forno a 190oC. Em outra tigela, peneire a farinha e o fermento.
  3. À mistura de mel, junte o ovo batido, as raspas, as especiarias e 2/3 da farinha. Misture bem enquanto acrescenta as amêndoas e as frutas cristalizadas. Junte o restante da farinha e misture. A massa fica bem dura.
  4. Forre uma assadeira grande (50x30cm) com papel-manteiga ou silpat. Unte as mãos e aperte a massa na assadeira, espalhando, até que fique com pouco menos de 0,5cm de espessura e mais ou menos uniforme. 
  5. Coloque a assadeira no forno e asse por 15 minutos. Abaixe o fogo para 175oC e asse por mais 10 minutos ou até que esteja dourada e ligeiramente inchada. Cuidado para não queimar embaixo. 
  6. Quando a massa estiver quase pronta, prepare o glacê. Numa panela, em fogo médio-alto, coloque o açúcar de confeiteiro e 2 colh (sopa) de água. Cozinhe até que a água tenha evaporado e o glacê esteja formando bolhas grandes. Ainda deve estar mais líquido que grosso, para poder espalhar. 
  7. Retire a massa do forno e imediatamente cubra com o glacê, usando um pincel para ajudar a espalhar. 
  8. Imediatamente corte a massa em quadrados de 2,5cm, sem retirar da assadeira. (Se estiver usando um silpat, use uma espátula ou um raspador de pão, pois uma faca pode danificar o silpat.) Deixe esfriar até temperatura ambiente. Então separe os quadradinhose guarde em um pote hermético por até 2 meses.
Aliás, continuo mandando embora meus livros de cozinha, e às vezes, quando surge um arrependimento, uma receita que eu queria mas não tenho mais, corro para a internert, onde tenho redescoberto alguns blogs. Nisso, reencontrei o Wednesday Chef, da Luisa Weiss, e descobri que ela fizera um livro inteirinho de baking da Alemanha que parece puro amor. Confesso que me deu um comichão imenso para comprar o livro, mas me refreei, pelo menos por enquanto. O processo é de "down sizing" e economia, então não convém botar nada de novo na casa que não seja absolutamente necessário. Ao invés disso, resolvi testar as receitas do livro que encontrei disponíveis por aí net afora. Na própria página da Amazon, fiquei namorando a foto dos pãezinhos em forma de croissants, cobertos de sementes de papoula, mas a única página que se podia visualizar era a dos ingredientes. Sem problemas, pensei. Pelos ingredientes deduzi como deveria ser o preparo, e assim fiz os danados, que nada mais são que pãezinhos de leite que se enrolam como os croissants e se cobrem de sementes. Uma delícia e muito fáceis, presumindo que o preparo dela era o mesmo que o meu... ;)

MOHNHÖRNCHEN
(adaptado do livro Classic German Baking, de Luisa Weiss)
Rendimento: 10-12 pãezinhos

Ingredientes:
  • 2 colh(chá) fermento biológico seco
  • 3 colh(sopa) açúcar
  • 1 colh(chá) sal
  • 3 colh(sopa) manteiga, derretida
  • 1 xic. + 2 colh(sopa) leite morno (ou temperatura ambiente se o dia estiver quente)
  • 1 ovo
  • 500g farinha de trigo
 (cobertura)
  • 1 gema de ovo
  • 1 colh (chá) leite
  • 1-2 colh (sopa) sementes de papoula
Preparo:
  1. Numa tigela grande ou na tigela da batedeira planetária, dissolva o fermento e o açúcar no leite morno e deixe espumar por uns 5-10 minutos.
  2. Junte o sal, a manteiga, o ovo e a farinha e misture bem até formar uma massa. Sove por 5-10 minutos, à mão ou com o gancho da batedeira, até que ela fique lisa e elástica
  3. Forme uma bola, coloque numa tigela untada e cubra com filme plástico.  Deixe fermentar por 1 hora ou até que dobre de tamanho.
  4. Abra a massa com um rolo numa superfície ligeiramente enfarinhada, até obter um retângulo de mais ou menos 50x20cm. Corte 10-12 triângulos (use as sobrinhas da massa para abrir novamente em forma de triângulo). Como com croissants, segure as duas pontas da lateral mais estreita do triângulo e puxe um pouco para fora, fazendo orelhas. Então comece a enrolar em direção à ponta, apertando para que o rolinho fique compacto. Coloque numa assadeira forrada de papel manteiga ou silpat, com a pontinha enrolada para baixo (para que não se abra durante o cozimento) e entorte as pontas externas para que fique curvo como uma meia-lua. Repita com os triângulos restantes. 
  5. Cubra com um pano de linho ou coloque a assadeira dentro de uma sacola plástica grande e deixe fermentar por mais 45 minutos ou até que os crescentes dobrem de tamanho novamente. 
  6. Pré-aqueça o forno a 205oC. 
  7. Misture o ovo e o leite da cobertura num potinho. Pincele a mistura em todos  os pãezinhos e polvilhe com as sementes. Leve ao forno por cerca de 25 minutos, ou até que estejam dourados e emitam um som oco quando lhes bater os nós dos dedos na parte debaixo. Retire-os da assadeira e deixe que esfriem sobre uma grade. Depois de frios podem ser congelados dentro de sacos plásticos ou se mantém frescos de um dia para o outro, bem envoltos num pano de prato. 
Mas ainda para o Natal, a noite do dia 24 fora responsabilidade dos outros, mas o almoço do dia 25 foi a bagunça daqui de casa. Minha irmã me pedira encarecidamente pela PASTINHA DE FIGO SECO E AVELÃS que ela pede todo ano desde aquele almoço de Natal há um milhão de anos, e que, tendo encontrado ambos mais baratinho num mercado de São Paulo (porque onde moro você tem que vender um rim para comprar castanhas e frutas secas), resolvi fazer.

Minha mãe trouxe uma carne de panela da minha infância, um lagarto fatiado fino e comido frio, sempre ótimo pro bafão quente de verão, e eu acompanhei com o clássico Orecchiette al forno do Jamie Oliver que é sempre bom e uma torta de alho poró muito simples da Tessa Kiros, do livro Twelve, que foi devorada. O bom tanto do prato de massa quanto da torta é que eu pude preparar no dia anterior. Então no dia 25 mesmo, pude acordar com calma e me concentrar apenas em deixar a casa em ordem e passar maquiagem o bastante para cobrir a cara de ressaquinha. ;)

Meu pai havia dito que traria casquinha de siri de entrada, um clássico familiar que em tempos difíceis fora feito até com atum em lata, e o que era para ser uma entradinha meio que virou almoço, e todos comemos tanto que quase não sobrou espaço para o almoço de fato.

Quando chegou a hora da sobremesa, já era quase hora do jantar, na verdade. Eu preparara um repeteco de um SORVETE DE LIMÃO simples e refrescante (sorvete é sempre bom de fazer, porque você pode fazer com uma semana de antecedência e ficar sossegada até o dia do evento) e era para ser apenas isso. Não tivesse eu no dia anterior tido um siricotico e resolvido de última hora preparar uma receita de brownies de cappuccino de uma revistinha de Natal da Martha Stewart. Eu adoro aquela revistinha específica e acho que já fiz quase todas as receitas dela. Lembrava desse brownie, que eu jurava que tinha vindo parar no blog, e o que me lembrava era de que ele tinha ficado bom mas meio sequinho. Então resolvi mexer na receita. E troquei metade do açúcar orgânico branco pelo mascavo, para trazer tons de caramelo ao sabor e deixá-lo mais "fudgy". Também omiti as gotas de chocolate. E usei chocolate 80% (tenho usado da marca Casino, do Pão de Açúcar) no lugar do unsweetened. Mas acho que o pulo do gato foi a forma. Da primeira vez que fiz, usei minha forma de alumínio quadrada de 20cm, que eu nunca forro porque tem fundo removível. Desta vez, usei minha forma de vidro quadrada de 21cm e forrei com papel manteiga. Não parece muita coisa, mas o brownie ficou mais fino e não secou tanto. O resultado foi maravilhoso. Tomei cuidado de tirar do forno ainda molinho no meio, e os brownies ficaram perfeitos, dignos de infinitos repetecos. :) Receita AQUI.

No Reveillon, meu pai preparou um belo pernil assado para fazermos sanduíches. Foi todo um exagero em que todos da família trouxeram comida e acabou que no fim da noite não houve uma pessoa sem uma quentinha embaixo do braço cheia de sobras gostosas. Sobrou tanto pernil aqui em casa que ele rendeu diversas refeições. No dia primeiro do ano foi sanduíche no almoço e jantar, pois ainda tinha muito pão e muito vinaigrette do meu pai. No dia 2, refoguei um pouco de cebola, gengibre, cebolinha e pimenta fresca em óleo de gergelim, juntei o pernil desfiado e arroz branco de transantontem, temperei com um pouco de vinagre de arroz e shoyu e comemos esse stir-fry muito bom acompanhado de uma saladinha de repolho roxo, cenoura, cebolinha e amendoim torrado. O restante do pernil já havia sido desfiado e incorporado a um molho de tomate com alecrim e louro, e esse ragù rápido foi congelado em 3 porções generosas para ser comido depois, com pappardelle feito em casa ou polenta quentinha. Isso porque eu já congelara o pernil desfiado ano passado, e ele queimara e estragara. Envolta em molho, não há chance da carne queimar de frio.

Os ossos do pernil foram para o Gnocchi, claro, que se esbaldou.

Como todos voltariam dirigindo tarde da noite do Reveillon aqui em casa, pensei numa sobremesa diferente, para dar uma acordada no povo. Nesse calor dantesco, sorvete parecia o mais apropriado outra vez: por ser refrescante e por ser prático de fazer - de novo eu poderia fazer com antecedência. Fiz um SORVETE DE CHOCOLATE REPETIDO DAQUI a pedido das crianças, mas para os motoristas de plantão, o escolhido foi uma GRANITA de café bocoió de fácil, que apesar dos olhares desconfiados de todo mundo, acabou sendo sucesso... até com os pimpolhos! O segredo da granita de café, além de usar café saboroso e forte, é servir com chantilly batido na hora e com quase nada de açúcar, pois a granita já é surpreendentemente doce. O chantilly cremoso é um contraste delicioso aos cristais de gelo da granita, e não houve um só comensal que não tenha sentindo o PUNCH! do café na madrugada.

GRANITA DE CAFÉ
(do livro The Perfect Scoop, do David Leibovitz)
Rendimento: ele diz que dá tipo 6 porções, mas acho que nessa quantidade da foto serve 8-10 pessoas)

Ingredientes:
  • 4 xic. (1 litro) de café espresso ou café bem forte ainda quente
  • 1 1/2 xic. (300g) açúcar

Preparo: 
Dissolva o açúcar no café quente, mexendo com uma colher até que desapareça. Despeje numa assadeira de 20x30cm e bordas altas e leve ao freezer tomando mais cuidado do que eu tomei: fui empurrar a assadeira no freezer, o café balançou lá dentro e derramou no chão do freezer e eu tive de ficar limpando aquela joça naquele calorão de 35oC, torcendo pra tudo lá dentro não derreter enquanto isso. Bom... Deixe 1 hora no freezer. Retire, misture ou raspe com um garfo e leve de novo ao freezer. Vá checando a cada meia hora ou a cada hora, e raspando com o garfo. Vai depender da potência do freezer. Você vai fazer isso acho que umas seis vezes até obter aquela boa consistência de raspadinha. Pode parar e deixar no freezer até a hora de servir. Pronto. Bocoió de fácil. 


No fim, em Dezembro eu descobri que toda aquela alegria das férias de inverno era provocada pelo... inverno. E que no calorão eu realmente não estou afim de brincar de pega-pega ou ficar três horas debaixo do sol no parquinho. Quando mais nova eu brincava que minhas células eram fotovoltaicas, e eu só funcionava em dia de sol. Aparentemente meu organismo evoluiu para sistemas mais avançados e sensíveis e eu claramente preciso de refrigeração para meu melhor funcionamento.

Produtividade zero no verão.

Janeiro portanto começou com as crianças indo passar uns dias na casa da avó. Eles não aguentavam mais olhar para a cara da mãe e essa mãe aqui aproveitou a tranquilidade para... descansar? Não. Trabalhar, que graças à boa vontade do universo esse ano o trabalho promete voltar ao ritmo normal, e fechei três encomendas diferentes durante as festas. Ieeeei!

Antes de a pimpolhada se jogar nos braços dos avós que levam pra tomar sorvete todo dia, mamãe preparou waffles de ano novo para a criançada. A boa e velha receita de sempre, fofinha por dentro, crocante por fora, de quem, de quem? Da Tessa Kiros. Eu jurava que essa receita estava no blog, mas aparentemente foi só para o facebook na época em que eu ainda usava aquela joça. Então deixe-me corrigir isso:


WAFFLES
(do livro Apples for Jam, da Tessa Kiros)

Ingredientes:
  • 2 ovos, separados
  • 1/3 xic. açúcar (uso o baunilhado e omito a baunilha depois) 
  • 1/2 colh. (chá) extrato de baunilha
  • 4 1/2 colh (sopa) manteiga, derretida
  • 3/4 xic. leite
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo
  • 1/2 colh (chá) fermento químico em pó
Preparo:
  1. Numa tigela, bata com um fouet as gemas e o açúcar até que fique homogêneo e claro. 
  2. Junte a baunilha e a manteiga derretida e misture bem.
  3. Junte o leite e quando estiver incorporado, a farinha e o fermento. A massa ficará espessa. 
  4. Bata as claras em neve e incorpore à massa anterior. Aqueça o ferro de waffle e asse cerca de 1/3 xic. por vez. Rende o bastante para uma família de quatro gulosos se esbaldar. 
Pimpolhada continuou no bom e velho maple syrup trazido da Califórnia pela titia Maria Rosa, e eu bati um pouco de chantilly com pouco açúcar e comi meus waffles quentinhos com minha compota de cereja, feita com as cerejas que ganhei de Natal da minha mãe, que sabe do que eu gosto. :) Lembrei imediatamente da viagem a Amsterdam, há tanto tempo, e dos waffles servidos da mesma forma que comi por lá. Delícia.

Daí que no meio da correria louca de dezembro, cada evento pareceu parar um pouco o tempo e durar o bastante para aproveitarmos. Cada um fez um pouco e ninguém ficou (muito) cansado, e acho que esse foi o melhor Natal e Reveillon que tivemos nos últimos anos. Foi um fim de ano caloroso e feliz, cheio de muita comida gostosa.

Acho também que preciso editar esse post e rever aquela frase lá em cima. Que para alguém que disse que não faria nada para o Natal, e que disse que preparara pouca coisa simples, fiquei besta com a quantidade de links para receitas que tive de inserir no meio do texto. Sem a pressão de PRECISAR fazer um monte de comida, acho que fui fazendo e nem me dei conta.

E vamos para 2017 então.

Uma semana sozinha, um aniversário de 4 anos, dando cabo de muita comida

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Mesa de aniversário da Laura, com mais cachorro-quente na panela vermelha e pão de queijo na verde. :)

E aí as crianças foram para a casa dos avós. Liberdade? Descanso? Relaxamento? Capirinhas na beira da piscina (inflável)?

Não. Eu tinha trabalho a entregar e uma festinha a preparar.

No primeiro dia sem as crianças, foi que me dei conta de que comprara muita comida para uma semana sozinha. Não sei por quê, foi meio no automático, provavelmente indo à forra depois de passar 3 semanas sem a banquinha de orgânicos. E foi na tentativa de já dar cabo de um pacote inteiro de quiabo, que resolvi prepará-lo justamente para uma pessoa que detesta quiabo: meu marido. Claro, eu fui boazinha. Lembrei-me de uma receita no livro do Mark Bittman, How to Cook Everything Vegetarian, que dizia que esse era o prato de quiabo para quem odeia quiabo. Resolvi pôr à prova sua tese.

Tese comprovada. Fritar o quiabo elimina terminantemente a baba, e ele fica crocante e delicioso nessa salada com tomates e coentro, polvilhado de curry, e cebolas em meias-luas marinadas no azeite e limão. "Não parece quiabo!", disse Allex, servindo-se uma segunda vez.

Só não digo que essa salada deliciosa foi um sucesso retumbante por conta do trabalho que tive para limpar o fogão depois. O óleo estava na temperatura correta e resolvi mergulhar nele o primeiro punhado generoso de quiabo... que fez o óleo quente espumar e subir numa loucura tal que eu nem tentei tirar a panela do fogo como geralmente faço quando isso acontece com caramelo ou leite. Simplesmente desliguei o fogo e observei, desistente e conformada, o caos e a destruição, a piscina de óleo quente depositada por sobre todo o fogão e escorrendo pelas laterais em direção ao chão.

Mega divertido. Só que não.

Então fiquem avisados: usem uma panela bem alta e coloque bem pouquinho quiabo por vez na primeira leva. :(


SALADA DE QUIABO FRITO PARA QUEM ODEIA QUIABO
(Adaptado um nada do ótimo How ro Cooki Everything Vegetarian, de Mark Bittman)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes
  • Óleo para fritura
  • 450g quiabo, sem os cabinhos e fatiados no sentido do comprimento
  • 1/2 cebola roxa, em meias luas finas
  • 2 tomates pequenos, sem sementes e cortados em tirinhas
  • 1/2 limão espremido ou a gosto
  • 1/4 xic coentro fresco 
  • 1 1/2 colh (chá) garam masala (a receita original usa chaat masala, que não se encontra aqui)
  • 1/2 colh. (chá) sal

Preparo
  1. Esquente o óleo até 180oC. Frite o quiabo em levas pequenas, mantendo o óleo quente, por 5-7 minutos, até que fiquem bem douradas e crocantes. Retire com uma escumadeira para um papel absorvente. 
  2. Misture a todos os outros ingredientes e sirva imediatamente. 

Naquele mesmo dia, Allex foi viajar a trabalho por alguns dias. (Espantado pelo quiabo? Acho que não.) E eu me vi de fato sozinha. Na minha mente, eu teria diversos momentos relaxantes entre os trabalhos a entregar e as coisas a fazer para o aniversário da Laura (porque você mal respira depois do Reveillon e o aniversário da pequena já chegou, e depois de passar um ano indo a aniversários os mais escalafobéticos, ela tinha a expectativa de ter sua própria festa, apesar de não se incomodar com a simplicidade que imponho à mesma). Mas claro que não foi assim. Antes de tudo eu precisava tirar da frente alguns probleminhas, como aquela gaveta cheia de legumes de verduras que estragariam antes do restante da população da casa voltar.

Priorizei o pote de creme de leite da fazenda que minha querida amiga Marina me dera. Mais firme que cream cheese, aquilo era nata pura, e não consegui pensar em mais nada a se fazer com ela além de biscoitos de nata. Se as crianças estivessem em casa, teria usado em uma torta ou uma panna cotta. Mas sozinha, era preciso preparar algo que durasse mais, até seu retorno.


Descobri que ninguém da minha família tinha uma receita de confiança, e foi por isso que acabei usando uma receita do Cybercook, que não costumo usar com muita confiança. Mas a receita fazia sentido e usava exatamente a quantidade de nata que eu tinha, então resolvi testar. Os biscoitos precisaram de um pouco mais de tempo do que a receita pedia para ficarem crocantes e ficaram gostosos. No entanto, eu usaria metade do fermento (ou talvez até um terço), pois eu conseguia sentir um gosto metálico do excesso dele no fundo da língua. Também talvez tentasse aumentar um pouco a quantidade de farinha e diminuísse ou mesmo eliminasse o amido de milho, uma vez que ele tornou o biscoito seco e esfarelento como um sequilho, enquanto eu esperava uma crocância mais certeira e a gordura do creme derretendo na boca, como acontece com bons biscoitos amanteigados. Mas acho que isso é meramente gosto pessoal. A receita original está AQUI.



 Olhei então para a gaveta de legumes. As folhas de salada serão consumidas rapidamente, pensei. pois adoro almoçar salada.

A couve. O que fazer com ela? PESTO DE COUVE com as folhas. Os talos, congelei para usar em dias sem nada verde na geladeira. Adoro frittata de talo de couve, e meu marido me enchia os pacová pela frugalidade natureba, até ler um artigo sobre como os talos da couve têm mais nutrientes que as folhas. Há! Fiz quatro potinhos cheios de pesto (usando castanha de caju no lugar do pistache), cada um o bastante para temperar o jantar de uma família de 4 e foi tudo para o freezer.


Ok. O que mais? Agrião. Separei as folhas para comer em minhas saladas e os talos viraram sopa imediatamente. Eu uso sempre mais ou menos ESSA como base, e omito todos os acompanhamentos. Paro simplesmente em manteiga + cebola + batata + caldo de legumes + talos de agrião. Não uso limão, mas fica gostoso com ele também. Às vezes jogo meia dúzia de folhas junto para deixar mais verde. O que mantém o gosto fresco e a cor verde brilhante da sopa é colocar o agrião só na hora de bater. Pois se ele ferver, a sopa fica marrom e o agrião fica com um gosto metálico estranho. Sopa de agrião sempre é bem vinda, pois Thomas adora.

Então apanhei todas as aparas do que eu comprara na feira àquela semana e fiz uma nova batelada de CALDO DE LEGUMES para ir ao freezer. E peguei os talos e raízes do coentro e fiz pasta de curry tailandesa, de novo do livro do Mark Bittman. Eu adorava esse negócio, e Thomas comeu MUITA papinha com curry tailandês quando bebê, mas foi ficando cada vez mais difícil de achar e cada vez mais caro. Não consegui achar o lemongrass propriamente dito, que é o nosso capim-limão, mas a parte do bulbo, e não as folhas. Acabei comprando o capim-limão mais bojudinho que encontrei, tirei as folhas externas ressecadas, piquei loucamente só as bases que pareciam mais macias. O gosto ficou excelente, mas mesmo com esses cuidados, o liquidificador e o processador não deram conta, e tive que passar numa peneira para tirar toda aquela fibra dura com jeito de mato, coisa que não aconteceria com a parte certa do ingrediente. Passar pela peneira deixou a consistência mais líquida, mas o sabor continuou lá. Congelei em porçõezinhas do tamanho de um cubo de gelo para poder usar depois. Nisso, descobri que também dá pra congelar as folhas do capim-limão já picotadas num saquinho pra ir direto pra panela para virar chá. :)

Se você encontrar o bulbo do capim-limão para uso em culinária asiática, esta receita é muito boa: 

PASTA VERMELHA DE CURRY TAILANDÊS
(Do ótimo How ro Cooki Everything Vegetarian, de Mark Bittman)
Rendimento: 3/4 xic

Ingredientes:
  • 10 pimentas dedo-de-moça, sem as semenstes ou a gosto
  • 4 folhas de limão  ou 1 colh (sopa) casca de limão
  • 1 pedaço de uns 2-3cm de gengibre fresco, descascado, picado
  • 1 colh (chá) sementes de coentro
  • 1 colh (chá) sementes de cominho
  • 2 bulbos de lemongrass, descascados, aparados e picados grosseiramente 
  • 1/2 cebola picada
  • 4 dentes de alho descascados e picados
  • 2 colh (sopa) de raízes e talos de coentro bem picados (usei as raízes e início dos talos de um maço)
  • 3 colh (sopa) óleo

Preparo:
  1. Coloque as sementes numa frigideira e toste em fogo médio até que fiquem perfumadas. Coloque no processador com o restante dos ingredientes, menos o óleo, e processe até virar uma pasta. Processando, acrescente o óleo aos poucos. Você quer uma pasta razoavelmente homogênea. Coloque em um pote esterilizado e guarde na geladeira por até 2 semanas. Ou separe em porções menores e congele.

Depois disso tudo, tive de dar uma pausa para de fato almoçar. As saladas da semana foram sensacionais, admito, e agora eu precisava dar cabo das frutas do Reveillon que as crianças não haviam terminado de comer. 

 

Lichias. Confesso, não sou louca por elas. E elas ficaram ali me olhando, e eu não me animava a catar a tigela e comê-las puras de sobremesa. Busquei na fantástica internet algo para fazer com elas e caí NESTA SURPREENDENTE SALADA DE AGRIÃO, ABACATE E MANGA, fruta que prontamente substituí pela lichia. Não é novidade nenhuma uma salada de agrião com manga. Mas o que torna magnífica essa mistura simples de frutas doces e cremosas e verduras picantes é o molho de alho, gengibre e pimenta. É claro que a salada original ficou mais colorida, com o amarelo da manga, e as cebolas roxas, como você pode ver na foto produzida pela revista. A minha, com cebolas brancas e lichias ficou meio monocromática. Mas absolutamente deliciosa! A foto não faz jus. Merece repetecos infinitos, e eu compraria lichias só para prepará-las assim. Comi devagar enquanto separava lembrancinhas de aniversário em saquinhos.


O dia seguinte foi dia de assar o bolo da Laura. E, aproveitando o forno quente, umas beterrabas que estavam pela hora da morte. Assei-as, descasquei-as, cortei-as em cubinhos e meti-as no freezer. Beterrabas assadas congelam maravilhosamente bem. Mas aí começou aquele maldito complexo de mãe sozinha em casa... Eu só precisava assar o bolo. Mas não. No melhor estilo do episódio de dia das mães da série The Middle, eu resolvi que eu precisava limpar o forno (e rearrumar todos armários da casa, e separar todo o lixo eletrônico para reciclagem, e reorganizar os livros, e refazer meu planejamento do ano, enfim) . Antes de fazer o bolo. E lá fui eu. Limpinho, limpinho. Resolvi esse ano quebrar a tradição e preparar um bolo diferente. Eu visualizara aquele bolo lindo, branco, recheado de geleia de morango, da Dorie Greenspan. Tinha exatamente o número de claras congeladas de que precisava para o bolo e depois para o recheio. Seria perfeito. A cara da Laura. Não fosse o fato de que aparentemente a remoção da sujeira do forno fez com que ele parasse de funcionar. Depois de dez anos funcionando perfeitamente, ele resolveu que não estava mais afim. Parece que o forno era meio apegado às massas de bolo carbonizadas que jaziam em seu piso e agora sua solidão foi demais para suportar. E o forno desligou no meio do cozimento do bolo. E EU NÃO VI. 

Quando percebi o que ocorrera, o tempo de assar já havia terminado e o forno estava quase frio. Quase tive um treco. Liguei o forno de novo, e olhei aquela massa que crescera mais ou menos mas ainda estava cru e não dourara com um aperto no coração. Fechei o forno, suspirei e pensei que se tudo desse certo no final, a receita era de fato muito boa. 

Incrivelmente, depois de mais meia hora de forno, O BOLO DEU CERTO. Juro. Só por isso deixo aqui a receita do bolo em si, mas não da cobertura, pois acabei não terminando a receita. Ele ficou um pouco mais baixo do que deveria por conta da rebelião do forno, e por isso achei arriscado cortar ao meio para fazer aquela montagem toda de quatro camadas finas. Comecei a me dar conta de que de novo estava entrando naquele pânico de aniversário que me faz exagerar e trabalhar demais, e então resolvi simplificar. Congelei o bolo até a véspera da festa. Na manhã do evento, pincelei o bolo com um xarope simples de baunilha, e recheei e cobri de morangos e chantilly fresco, sem cortá-los ao meio. Ficou lindo, uma delícia e deu menos trabalho. O bolo foi devorado e Laura ficou muito contente, pois ela sempre pedia um bolo de morangos em seu aniversário e esse foi o primeiro ano em que encontrei os morangos orgânicos saborosos na data. :)
Laura incomodada com a barulheira do Parabéns, Thomas planejando assoprar a vela antes da irmã.
BOLO BRANCO DE ANIVERSÁRIO*
(ligeiramente adaptado do livro Baking From My Home to Yours, da Dorie Greenspan)
Rende 2 bolos de 20-22cm, dependendo da forma

Ingredientes:
  • 2 1/4xic farinha de trigo 
  • 1 colh (sopa) fermento químico em pó
  • 1/2 colh (chá) sal
  • 1 1/4 xic leite integral
  • 4 claras de ovo grandes
  • 1 1/2xic açúcar
  • 2 colh (sopa) de raspas de limão
  • 115g manteiga em temperatura ambiente

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Unte com manteiga 2 formas de 20cm (com uns 5cm de lado, ou a massa vai transbordar) ou preferencialmente de 22cm. Forre o fundo com papel-manteiga. Coloque as formas sobre uma assadeira.
  2. Peneire a farinha, fermento e sal em uma tigela e reserve.
  3. Misture as claras com o leite em outra tigela e reserve.
  4. Coloque o açúcar e raspas de limão na tigela da batedeira e esfregue com os dedos para liberar os óleos do limão. Junte a manteiga e e bata por 3 minutos,até que a mistura esteja bem fofa e clara. 
  5. Junte 1/3 da mistura de farinha em velocidade média, só até incorporar. Junte metade do leite com claras, então a farinha, as claras, e o restante da farinha, incorporando bem. Deixe batendo bem por uns 2 minutos, para ter certeza de que está bem misturado e aerado. 
  6. Divida a massa entre as duas formas, alisando a superfície, e leve ao forno por 30-35 minutos, ou até que os bolos estejam secos e elásticos ao toque e um palito inserido no meio saia limpo. Deixe esfriar sobre grades por 5 minutos antes de passar uma faca nas laterais, desenformar e retirar o papel-manteiga cuidadosamente. Deixe que esfriem completamente antes de rechear, cortar ou embalar para geladeira ou freezer. 
 * O bolo da foto não parece tão branco, mas seu miolo era sim bem branquinho. Se você cobrir as laterais com um buttercream ou outra cobertura branquinha, o bolo fica todinho clarinho. :)

Mais um dia se passou, e depois de terminar a aquarela que eu precisava entregar e sair para comprar tudo o que precisava para a festinha, preparei-me essa que é uma de minhas saladas favoritas: salada de folhas e nozes com verjus.

Verjus??? É um xarope bem ácido feito com uvas ainda não maduras, mas que eu confundi com xarope de mosto de uva na hora de preparar o tempero, pois meu livro lindo de cozinha toscana feito por uma australiana que reviveu o uso do verjus (verjuice em inglês), está traduzido para português de Portugal, e minha cabeça louca achou mesmo que "agraço" fosse mosto cotto. Num dia, tendo encontrado uvas Isabel orgânicas e feito de novo aquele sorvete fantástico, resolvi ferver um pouco as cascas que sobraram e reduzir esse suco até obter um xarope espesso e doce: meu Mosto Cotto improvisado. Guardei meu xaropinho na geladeira num vidrinho esterilizado e tenho usado assim no lugar do verjus, em saladas, misturando a azeite, limão, sal e pimenta para fazer um molhinho. É um resultado completamente diferente do que seria o verjus, pois o mosto cotto é doce e não ácido. Mas por isso mesmo é maravilhoso. Um vinagre balsâmico e um pouco de açúcar podem substituir bem, acredito. Esse molhinho sobre diferentes alfaces, nozes picadas e lascas de parmesão ( e cogumelos salteados no alho, em um segundo almoço-repeteco) foram um almoço leve e excelente, que me deixou tão de bom humor, que resolvi preparar os cupcakes que Laura pedira para seu aniversário.

Como estava meio preguiçosa, no entanto, quis algo rápido que não precisasse ficar batendo manteiga. Pensei que talvez a receita básica de bolo de baunilha que faço sempre rendesse bons cupcakes... mas pensei errado. Eles grudaram irremediavelmente nos papeizinhos.

Estava prestes a jogar tudo fora quando me dei conta de que os bolinhos estavam deliciosos. Só tinham grudado. Saí cavocando todos os papéis de cupcake com uma colher e colocando aqueles miolos esfarelados em uma tigela grande. Guardei na geladeira e fiquei pensando... deve haver algo que eu possa fazer com isso.

Depois de matutar a respeito, e enquanto reorganizava a planilha de custos das minhas obras para decidir os descontos para a loja e planejar as novas séries, lembrei dos cake pops! (Por que uma coisa levou à outra? Não sei, mas eu estava olhando para uma planilha de excel e calculando aproveitamento de papel de aquarela quando pensei nos pirulitos de bolo. Aliás, acho "pirulito de bolo" um nome bem mais simpático que "cake pops"). Cake pops, essas coisas lindas e confeitadas e coloridas, espetadas em palitos compridos, que sempre têm em aniversário de bufê, meus filhos sempre pegam, dão uma mordida, descobrem que não têm gosto de nada e devolvem. Cake pops são feitos de miolo de bolo! Há!

Apanhei o miolo delicioso do bolo, coloquei no processador, e bati com duas colheres de sopa de água, o bastante para dar liga e aqueles farelos virarem algo como massa de biscoito. Fiz bolinhas, espetei-as em palitos, passei-as em chocolate derretido, depois em confeitos coloridos, (ignore o modo simples como digo isso e pense numa pessoa desesperada com chocolate até os cotovelos e confeitos grudados por toda a mesa, e tudo escorrendo, e derretendo, e virando a maior lambança) e deixei-os na geladeira, de cabeça para baixo, até que o chocolate endurecesse. Foram sucesso na festinha. Desses, meus filhos comeram e repetiram. Estavam mesmo uma delícia, apesar de, esteticamente, terem lembrado daqueles memes de "expectativa X realidade". >_<

Aproveitei a overdose de doce para fazer os beijinhos e os brigadeiros.

Antes de dormir, tirei do freezer uma apara de massa de torta da qual me lembrei e, no dia seguinte, forrei uma forma de muffin grande com ela. Fiz uma versão miniatura da compota de cerejas de sempre, que engrossei com uma colherinha de amido de milho e joguei dentro da massinha. Fechei pinçando com os dedos, pincelei com leite, polvilhei de açúcar e coloquei no forno por uns 20 minutos até dourar.

Melhor

Tortinha

Ever.



Eu sei me tratar bem quando quero. :P

O saldo da semana foi positivo. Quando o marido voltou de viagem, eu estava enchendo balões, pendurando bandeirinhas (as mesmas que eu fiz no aniversário de 3 anos do Thomas, e que viraram tradicionais nos aniversários aqui em casa) e terminando de preparar aquela falsa maionese de coentro e castanha de caju da Bela Gil para mergulhar os leguminhos na festinha no dia seguinte. A festa deu certo apesar da chuva torrencial que deixou todo mundo trancafiado dentro de casa, o bolo foi devorado e ninguém nunca soube que ele quase não vingou. Eu consegui entregar todos os trabalhos pendentes, e até consegui reorganizar meus custos para poder calcular os descontos na loja, o que deu um trabalho do cão e exigiu todo o poder de matemática que meu cérebro de Humanas conseguiu juntar. (Se você sempre quis ter uma obra original em casa, um quadro para decorar sua sala ou sua cozinha que fujam dos pôsteres de sempre que têm por aí, mas sempre achou meio caro, saiba que QUASE TODA A LOJA ESTÁ EM PROMOÇÃO, algumas obra com 50%. Isso tem um motivo, que depois eu explico com calma. Dêem uma olhada lá: www.anaelisagg.iluria.com)

Esta aquarela está R$200,00 e com frete grátis. :D

Passada a correria do aniversário, começaria a correria do material escolar. Mas tudo bem. Não resisti a receber meus pimpolhos de volta com os pedidos cupcakes que não aconteceram no aniversário. Redimi uma receita do Magnolia Bakery, que fica de fato deliciosa. Da primeira vez que preparei, há MUUUUITOS anos, eles grudaram nos papéis e ficaram tão esfarelentos que eram impossíveis de serem comidos. Desta vez ficaram leves e perfeitos. A cobertura, no entanto, eu não quis repetir, pois me pareceu MUITA manteiga e MUITO açúcar. Ao invés disso, usei uma cobertura de baunilha da Alice Medrich, que fica bem doce mas muito muito gostosa. Quando servi para as crianças, Laura comeu toda a cobertura e deixou o bolinho e Thomas comeu todo o bolinho e deixou a cobertura. (Até que eu percebi que um bolinho inteiro era muito pra eles, e que se eu o dividisse ao meio eles comiam tudo.) Então eu estava saindo para minha aula de sábado, e Allex, que não gosta de bolos, perguntou: "quantos desses bolinhos têm que ter aí quando você voltar?" "Por quê? Você pode dar para as crianças, eu fiz para elas...", respondi. "Não, é porque EU quero comer isso. Ficou muito bom!". Allex comeu bolinho E cobertura.

É bom ter minha família de volta.



CUPCAKES DE BAUNILHA
(Adaptado dos livros More From Magnolia e Sinfully Easy Delicious Desserts)
Rendimento: 12 cupcakes

Ingredientes
(bolinhos)
  • 1 1/3 xic + 1 colh (sopa) farinha
  • 1/2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 pitada de sal
  • 115g manteiga em temperatura ambiente
  • 1 xic açúcar
  • 2 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 1/2 xic leite integral
  • 1/2 colh (chá) extrato natural de baunilha
(cobertura)
  • 1/2xic creme de leite fresco
  • 1 xic açúcar
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 2 colh (chá) extrato natural de baunilha
  • 8 colh (sopa)(115g) manteiga fria mas um pouco amolecida

Preparo
  1. Faça os bolinhos. Pré-aqueça o forno a 180oC. Forre uma forma de muffins com papéis apropriados.
  2.  Numa tigela, misture a farinha, fermento e sal. Reserve.
  3. Na batedeira, bata a manteiga até que fique cremosa. Junte o açúcar aos poucos e bata por vários minutos, até que fique bem fofo e claro.
  4. Junte os ovos um a um, batendo bem a cada adição.
  5. Incorpore os ingredientes secos em três adições, intercalando com o leite misturado à baunilha. Não bata em excesso, apenas misture. Use uma espátula para raspar o fundo e as laterais, para ter certeza de que a mistura está homogênea. 
  6. Divida a massa entre as formas de muffin, e leve ao forno por 20-25minutos, até que um palito inserido em um dos bolinhos saia limpo.
  7. Deixe esfriar na forma por 15 minutos antes de retirar cuidadosamente. Termine de esfriá-los sobre uma grade antes de decorá-los. (Se eles parecerem fofos demais e difíceis de serem manuseados por uma criança, parecendo que a retirada do papel vai despedaçá-los, algumas horas na geladeira depois de decorados resolve esse problema e o papel sai super fácil.)
  8. Faça a cobertura: misture o creme, o açúcar e o sal em uma panela pequena. Limpe as laterais da panela com uma espátula molhada para retirar cristais de açúcar, pois eles podem cristalizar a cobertura depois. Cubra a panela, coloque em fogo médio e aqueça até que a mistura esteja borbulhando em toda a superfície. 
  9. Destampe, baixe o fogo para que a fervura seja branda e constante e cozinhe, sem mexer, por 1 minuto. Use a espátula pararaspar a mistura quente para uma tigela grande. Deixe que esfrie, sem mexer, até praticamente temperatura ambiente, o que deve demorar uns 45 minutos. Enquanto isso, coloque a tigela vazia da batedeira no freezer, para que esteja bem gelada na hora de bater a mistura. 
  10. Coloque a mistura na tigela gelada e ligue a batedeira com o batedor de arame. Gradualmente vá incorporando colheradas da manteiga fria, até que a mistura esteja fofa e homogênea. Se ainda parecer muito mole para confeitar um bolo, leve a tigela toda ao freezer por uns dez ou quinze minutos e bata novamente.  A mistura deve ficar firme o bastante para ficar sobre o cupcake sem escorrer. 
  11. Confeite os bolinhos frios e mantenha-os na geladeira. Pode retirar da geladeira umas duas horas antes de servir para que a cobertura fique mais cremosa e o bolinho menos gelado.

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